quarta-feira, 3 de agosto de 2011

... mais cartas, emails do Capítulo 4 ...

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De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: para levantar a tua auto-estima
Data: Thu, 17 Feb 2005 - 18:29


Sonhei contigo esta noite - surgiste tal a deusa Ísis. Encoberta com os etéreos véus. Não pode ver a tua face.
Descreva-te. No próximo, eu me descreverei. (Eu gosto de mim mesmo. Eu gosto de falar de mim mesmo.)
Penso que se vamos iniciar alguma espécie de relacionamento via Internet, é preciso antes de tudo amor-próprio. Teu complexo de inferioridade eu até nem considero, mas e esta declaração de "você não pode me odiar tanto quanto eu me odeio" ?

O que te atormenta tanto? O que fizeram contigo?

Não podes pensar que a única pessoa que te compreende está em Minas, assim como eu não posso pensar que a única que me entende está em Brasília. Se não tivessem inventado a Internet, jamais saberíamos da existência um do outro!
Aconselho que passes a valorizar a ti mesma. És muito inteligente e intuitiva, não se entregue aos complexos de adolescência, uma vez que podes transcender a todos.

O teu Poeta




De: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Para: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Assunto: RE: um poema para amanda
Data: Thu, 17 Feb 2005 - 05:15


ah, querido... nao posso imaginar como agradecer tanta atenção, tanto carinho.....

tenho tanto a dizer-te, tanto a falar, a expressar..... MAS EU NAO TENHO TEMPO!! vc não faz idéia da quantidade de cafe que tomei para me acordar agora....

eu estudo muito e trabalho muito. preciso estudar MAIS e cuidar de minha casa, minha roupa.....

eu tenho tantas palavras em minha mente agora...... oh, tantas!!
mas não consigo expressá-las.

tudo o que sai deste meu coração oco e sem sentimentos (como meus adoraveis ''amigos'' o chamam é que a cada dia que passa sinto maior necessidade de ti......



De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: sinta-se abraçada
Data: 23 Feb 2005 – 12:50


  Querida Amanda,

    Sinta-se abraçada (muito forte!)

    Que pesadelo esta noite! sonhos medonhos. fiquei assustado (eu com toda esta pose de sombrio, todo mundo achando que eu sou satanista, etc), pois eu vivo assustado! sonhei que presenciava um crime, uma garota sendo violentada, e eu não fazia nada para ajudá-la (ao contrário, eu até sentia prazer!)
    Ai, que pesadelos! vivo anotando, um por um, depois eu escrevo contos, ou poemas, e outros textos mórbidos. Não é fácil ser Morpheus!
    Mas o meu maior temor foi ficar meditando porque tu odeias os teus pais. sofreste algum tipo de violência? de quem guardas ressentimento?
    (e ainda não me respondeste: de onde vens? onde nasceste? onde moraste antes de viveres atormentada em Brasília?)
    Queres conhecer a minha história?
    Agora, estou impressionado! e não que eu duvide de tuas palavras, mas já leste 500 livros?!!! Olhe, que eu, que sou um rato de biblioteca, não devo ter lido mais do que 400! nesse ritmo, daqui a dez anos, tu terás lido mais de 1500 livros! marca recorde! impressionante!

ps. - com relação aos teus poemas, eu encontrei no meu arquivo de poemas - aqueles que seleciono dentre os tantos que recebo. Achei os versos bem fortes - desde a primeira vez que li.

O teu Morpheus



noite, 17/18fev05 chegando em casa, 22hs


    Não bastasse os mil km, quase uma década nos separa.
    Completarei 24 anos no fim do mês. Poderia escrever assim: tenho mais de dois mil anos, mas estou neste corpo físico à 24 invernos.
    Ou ainda: a idade não importa, importa que eu te amo. (agora: por que eu te amo? eu te amo porque tu me amaste primeiro.)

    Estranho não teres comentado sobre o nosso encontro via internet. Imagine: se o Conde não tivesse a idéai de inventar um grupo de discussões, como nos conheceríamos? (Agradeçamos ao nosso nobre!)

    É a primeira vez que me que me envolvo assim, à distância - e tão de súbito, e profundamente.
    Mas conheço casos felizes, via Internet. minha prima namorou um ano com um alemão e ele visitou o Brasil e a encontrou, e passaram três meses em Berlim, felizes, no amor infinito "enquanto dure", e a amiga da amiga da minha irmã, namora via e-mails  um cara de Boston, e vai para os States se casar com o rapaz.
    É a rede encurtando milhas e léguas.



(meia-noite)

    Estou sem sono, lembrando o sonho contigo, enquanto estás diante do computador. Só enviarei estas linhas amanhã.
    ah, não consigo te chamar de Valkyria, não me comove. prefiro imaginar-te a misteriosa Ísis. a deusa da Beleza e do Sofrimento
    Já percebeste que nossa conversa está igual a lista do Templo Sombrio? Passamos de um assunto a outro, sem concluir o primeiro. relatamos futilidades e não abordamos a essência. ou não gostas muito de um 'papo-cabeça'?

o teu poeta



manhã de sexta - 18fev

Fatos estranhos!

    O sonho de ontem se repetiu, no mesmo horário (cerca de cinco horas), um pouco mais longo, desta vez, e depois não consegui mais dormir.
    Eu estava num palácio, em estilo mourisco, daqueles do sul da Espanha, e então surgiste (eu sei por intuição) toda envolta em véus, tal uma donzela odalisca, e a se aproximar toda elegância e encanto, e quando ousei estender a mão, para afastar o véu e deslumbrar tua face - eu acordei suando frio!
    Por que? eu poderia me surpreender? (tens algum ancestral árabe, egípcio?) (outra: costumas pintar em volta dos olhos, tal as mouriscas?)
    Cada vez me convenço de que és Ísis. (poderias pesquisar sobre a Deusa Egípcia? e, se identificares, mudarias o teu nick?) (ou tens alguma descendência nórdica?)

o teu (devoto) Morpheus



(à noite)

  Querida Amanda,

    agora consegui entender aquela sua menção ao beijo.
    Sim, mas não espere que eu vá insinuar ciúmes.
    sentirás necessidade de contatos físicos. Mas se sexo é fisiológico, amor já é transcendência. E eu amo a imagem que faço de ti, a partir de tuas palavras. Gostas do que eu escrevo e eu gosto do que escreves.
    se sentires que eu sou realmente o que esperavas, e eu também perceber o mesmo - não há distância que nos separe.
    entendo que já tenhas sofrido com o relacionamento à distância. (ele queria contato físico, tu dizes) e eu não dispensaria conhecer-te fisicamente, mas por enquanto só podemos compartilhar nossos escritos.
    por que eu gostei de ti? porque gostaste de mim.
    vou sonhar contigo.

O teu devoto


Noite, 19 Fev


Minha Querida Amanda,

Creio que já surgiu um lamentável ‘ruído de comunicação’ entre nós.
Amanda, vamos com calma, não precisamos nos estressar.
    O comentário sobre o beijo foi para demonstrar-te que não me agrada que tenhas outros pretendentes, mas preciso aceitar, dada a distância que nos separa.
    Ou seja, esclareci que não posso pedir fidelidade (seria prematuro e ridículo se o fizesse)
    E o óbvio: ofereceste-me o teu afeto, e eu aceitei. Eu que sou apenas um cara surpreendido com a atenção de uma mocinha distante.
  Eu também passei a amar os teus versos, e depois fui cativado por tua personalidade, tua afetividade, e tua sinceridade.
Assim nasceu um contato intelectual (literário) com envolvimento afetivo (confessional) - eu me descrevo, tu te descreves...
Amanda, vamos começar a falar em paixão? Começaremos a arder em ciúmes? Ou trata-se de um amor de irmãos, de almas gêmeas?
Gostaria tanto que estivesses aqui!
O que posso esclarecer mais? Estás angustiada demais para qualquer 'papo-cabeça'.

É isso.

Stevam


[escrito em guardanapos - freneticamente - numa mesa de bar, noite adentro, bebendo todas...]





De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Templo Sombrio [templosombrio@XXgrupos.com.br]
Assunto: O Existencialismo e o Niilismo na Literatura
Data: Tue, 22 Feb 2005 - 16:20


O LIVRO DO DESASSOSSEGO, escrito, de forma fragmentada, por Fernando Pessoa, num período de quinze anos, foi assinado por um de seus heterônimos, o escrivão Bernardo Soares. Um cidadão comum, fracassado, e demasiado meditativo. Pensa porque não é capaz de ação.

O LIVRO DO DESASSOSSEGO é um dos livros que tiram o meu frágil equilíbrio.(Os outros são A NÁUSEA, de Jean-Paul Sartre, escrito em 1938, e MALONE DIES, Malone Morre, de Samuel Beckett, de 1961)

Não são livros sombrios, são perspectivas existencialistas, quase niilistas. O ser humano é anatomizado, colocado à frio, analisado e dissecado.

Pobres seres sem propósito, numa existência sem-sentido, incapazes de assumirem suas vidas, distantes de qualquer liberdade. E temerosos de qualquer compromisso.


E afogados no tédio, a inutilidade de todas as coisas. O despropósito de cada gesto. A incomunicabilidade entre as pessoas. A solidão enquanto condição ontológica (ou seja, da própria existência, ou mais claro, nascemos solitários, vivemos solitários e morreremos solitários)

Existimos de forma gratuita, tão-somente porque nossos pais não puderam refrear um impulso de luxúria, assim pagamos com uma existência absurda um efêmero momento de prazer. E insistimos em viver, e perpetuar o Absurdo, ou por medo da morte, ou por apego irracional à vida.

Nenhuma Crença que explique os eventos, que justifique as ações, que seja consolo para os golpes sucessivos da Contigência.

A única diferença entre nós e os vermes que nos habitam é a Consciência que temos dos vermes que nos habitam. E a Consciência pode ser uma doença (Dostoiévski dizia o mesmo)!

Uma Consciência flutuante e inábil, capaz de uma transcendência sempre precária (Platão já dissera), onde não tomaríamos verdadeira certeza de nada, tudo sendo meras impressões (quando não ilusões).

Tudo o que julgamos Objetivo não passa de atribuições do Subjetivo. Não existe um Mundo, e sim Sete Bilhões, tantos quantos os indivíduos existentes e não há pontes entre os seres, existem padrões de comportamento, universos simbólicos, sistemas sociais.(Vide Schopenhuer e Nietzsche)

(Então, como posso aconselhar tal leitura para uma garota de 16 anos? Seria destruir todos os seus sonhos! Seria até cruel de minha parte.)


Stevam




De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: sobre o dia do curinga
Data: Thu, 24 Feb 2005 - 12:58


   Amanda,

    Estou até relendo o DAS KARTENGEHEIMNIS (KABALMYSTERIET), o famoso O DIA DO CURINGA, do Jostein Gaarder.
    Lembra-te do diálogo entre o pai e o filho.
"Não acredito que estejamos sozinhos, meu filho. Não acredito mesmo. O universo está fervilhando de vida. Só que nunca saberemos se estamos ou não sozinhos. As galáxias são como ilhas solitárias, sem qualquer ligação entre si."

E outra, o pai dizendo:

"- Você sabe o que a sua avó me disse um dia? Ela disse ter lido na Bíblia que Deus está lá no céu e ri das pessoas que não acreditam nele."

    E depois na página 139, em diante, capítulo Paus - Quatro de Paus, onde comentam a peste negra que assolou a Europa no século XIV, que se o jovem existe hoje é porque nenhum dos seus ascendentes mais remotos, daquela época, foi atingido pelo morticínio, e explicando ao menino a Causalidade e a Contigência. O mundo seria "uma loteria gigante, da qual só se vêem os ganhadores..." .

    Por um triz o pequeno rapaz poderia não existir, uma cadeia de sucessivas eventualidades que poderia ter sido cortada!

Amanda, minha querida, e eu fico pensando e perdendo o sono, e se o Conde não existisse? Existiria o Templo Sombrio? E mais: e se não existisse o XXgrupos? Então? E um pouco mais: e se não inventassem a Internet? Ou o computador? então, como nos conheceríamos? tu viverias em Brasília, e eu em Belo Horizonte, e jamais saberíamos da existência um do outro! Não te apavora tal pensamento?

Stevam
(o teu devoto)



De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Templo Sombrio [templosombrio@Xxgrupos.com.br]
Assunto: mais sobre existencialismo e niilismo
Data: Fri, 25 Feb 2005 - 16:48


    Hoje encontrei uma nova edição de um livrinho que eu li aos quinze anos. É um livro para público infanto-juvenil, escrito por Orígenes Lessa, em 1983. Chama-se A DESINTEGRAÇÃO DA MORTE e foi reeditado em 1998 (eu sei estes detalhes todos por certa obsessão...)
    Bem, vamos ao enredo. Nos EUA, um cientista consegue ‘desintegrar’ a morte - imaginem o fenômeno! - e mesmo que eletrocutado e baleado o cidadão continua vivo. Assim o doutor altruísta acaba incomodando os poderosos - a indústria dos armamentos, a indústria de medicamentos, a indústria dos funerais, etc - e provocando uma maré de desempregados. (Quantos lucram com a morte? Quantos lucram com a doença?)
      "O que seria da vida
        se não existisse a morte?"
está na capa final. O que mudaria? Valorizaríamos a vida? Seríamos mais justos ou mais cruéis?
    Ou nos sentiríamos condenados à eternidade? Se fôssemos eternos inventaríamos a morte?
    O que a Civilização lucraria com a Vida Eterna? O que sobraria da própria Cultura? E as religiões? Não perderiam todo o propósito?


Stevam



[...]



Domingo, 03 de abril de 2005

Caro amigo Darío,
  All right?

    Desde manhã estou no Carlos Prates, tratando de negócios (veja você: em pleno domingo!) e atuando na concretização de uma ONG cultural, idéia de um grupo de artistas da região. Em conversas com o Sr. Michael Bishop, o mecenas do qual já comentei, e sua secretária, Nélida, no sentido de apoiar nossos eventos de literatura e teatro, nas penumbras da periferia.

    Realmente um almoço de negócios, onde percebemos o quanto os artistas precisam entender de burocracia para que possam viver de arte. E essa é uma preocupação do Hélio Lúcio, que já percorreu muitos gabinetes em busca de apoio e hoje vai recorrer a lei de incentivo. E Stevam Valêncio, agora calouro do curso de Filosofia, quer publicar um volume de poemas. Estamos aprendendo tudo novamente! Agora passamos a entender como certos tramites funcionam. (Ficamos meia hora em discussão para distinguir Promoção Cultural de Realização Cultural, e depois para diferenciar Relações Públicas de Promotor Cultural.)

    Sem este apoio das ONGs é difícil realizar eventos, ainda mais que se tratam de eventos alternativos e de público restrito.

    Ao entardecer, fiquei andando sozinho, vagando pelos bairros históricos da Capital, da ‘segunda onda de expansão’, os bairros com casario dos anos 20, o reduto da baixa classe média, formados em torno das Igrejas matrizes, com aquele ar conservador, onde agora os filhos e netos de mestres-de-obras se formam em administração e odontologia.

    As casas de outrora até tinham estilo, tinham arte, até personalidade, um ar singular que as destaca. Varandas e alpendres, um hall de entrada, um telhadinho puxado, uma grade simples com floreados, e os interiores exibem um chão de taco e um teto de forro, além de um jardim modesto, com rosas brancas e vermelhas, e até um pé de pitanga.

    Casas com estilo, realmente, e não estas caixas de concreto das áreas de expansão dos subúrbios, depois da Gameleira.

    Ah, e não esqueci de passar diante da casa do Cyro dos Anjos, na rua Eirê. E fiquei lembrando de um certo carnaval de 1935...
Espero resposta.

    Té mais,

    HD




BH, 04 de abril de 2005

Caros Literatos e Amigos,

    Eu, Hector Dias, venho, através desta, comunicar meu afastamento da Biblioteca Municipal, onde, desde abril de 2003, ocupei o cargo de Arquivista, além de auxiliar o Diretor de Promoção e Divulgação, Sr. JB.

    Meu afastamento da Academia foi provocado por sérios desentendimentos com os demais diretores, ocasionados por críticas, de minha parte, quanto a organização do evento Exposição de Poemas, que, em seu projeto anterior ocorreu de 19 de junho a 02 de julho de 2004, este ano foi antecipado e sofreu corte de verbas para ajudas de custos aos artistas convidados.
    Lamento que tal rompimento tenha gerado mágoas em ambas as partes, mas tenho por costume sempre dizer tudo o que penso, daí realmente ter poucos amigos.

    Não concordo, nem jamais concordarei, com um ou dois diretores de uma ONG controlando toda a entidade ao bel-prazer. Além de não saberem delegar funções e tarefas.
    Comunico, aproveitando o espaço e atenção, a minha admiração pelo grupo artístico Óbvio que vem, desde 2003, atuando na região metropolitana, com eventos de ousadia e irreverência, em estéticas inovadoras e propostas alternativas.
    Minhas congratulações ao Sr. Michael Bishop, que vem lembrar que o mecenas não é uma figura de tempos antigos.
    Estou inteiramente à disposição para esclarecimentos.

Hector Dias


 [...]




BH, 18 de abril de 2005


Prezados Amigos e Literatos,


    Considerações, que pretendem ser imparciais, estão aqui carregadas de emoção. Desculpem-me.

    Mas a Exposição de Poemas foi um fiasco, se considerando o aspecto literário. Uma abertura com discursos políticos e vazios, ao contrário de um sarau, como planejado. Lá estava um burocrata com aqueles lugares-comuns do poeta-sonhador ou do artista enquanto exótico.


    A minha contribuição ao Projeto propunha eventos todos os dias, com vários escritores e artistas, da região metropolitana, e os burocratas vetaram. E fizeram melhor? Não.

    Oficinas para crianças e ou para deficientes e tal. Nada mais. Poemas com seleção suspeita e de péssimo gosto estético.

    Na sexta, o encerramento. Um Sarau com homenagens. Reconheço a importância e a contribuição dos senhores poetas Aurelius Magno e Hélio Lúcio, que, além de terem o bom-senso de serem meus amigos, apresentam uma obra representativa e autoconsciente. O resto é política, é personalismo.

    Os declamadores são um xarope à parte, e de poeta poucos entendem realmente. Eu tentei aquecer um pouco, com declamações de Ferreira Gullar, mas não foi o ideal, fiquei nervoso.

    Esclarecí que a seleção para a Exposição de Poemas não ficou sob a minha responsabilidade, como no ano anterior, e protestei contra a burocracia sufocando a arte.

    Depois chegam uns músicos e ficam meia hora! E tocando canções de outros, sucessos de rádios pop, o que muito destoa do espírito de um sarau. Antes tivessem apresentado composições próprias e de qualidade, como um Victor-Hugo!

    Retiro-me, vou dar uma volta, com o poeta Stevam Valêncio, e depois aclamamos a performance do bardo Hélio Lúcio, diante dos mestres WS e Llobus.

    Depois um músico com seu banquinho e violão. Ora é abusar da nossa paciência. Existem inúmeros bares onde pode-se ouvir música ao vivo, e de qualidade, e assim não falta espaço para o músico. Já os poetas apenas se encontram em saraus de dois em dois meses!

    Segundo o ator Álvaro, o que salvou o sarau foram as apresentações dos poetas WS e Llobus, mas infelizmente não pude presenciar as citadas atuações, pois minha paciência já havia se esgotado e fui embora sem despedidas.

    É patente a ocorrência do que previ na primeira reunião dos organizadores e dos poetas: que os burocratas tomariam conta da Exposição e abafariam a espontaneidade do sarau.

    Bem, pode-se ver que a minha destituição do cargo ajudou aos planos maquiavélicos dos burocratas. E, mais uma vez, quem perdeu foram os artistas autênticos.

    Agradeço a atenção.

                           Hector Dias




BH, 25 abril 2005

Prezado Sr. JB,

Saudações.

    Lamento que o Sr. tenha se sentido atingido com o teor de meu relatório sobre a famigerada Exposição de Poemas (o fiasco do momento) mas o que posso fazer?
    Respeito muito o seu profissionalismo, mas lamento que precise viver sob as pesadas botas dos burocratas.

    Mas a Exposição foi um fiasco, não foi? Cá entre nós, nada significou. O que a literatura local ganhou?
    Mas para mim, um artista, um escritor, literatura significa resistência, um protesto contra a mesmice. A arte precisa ser revolucionária. E o Sr. que, vez e outra, desfila pela Biblioteca com uma camiseta ostentando o ícone Che Guevara, e vive pregando o catolicismo de esquerda, a la Frei Beto e Leonardo Boff, envia a mim um e-mail cheio de moderação, que eu sou jovem, imaturo, e outros velhos etcs. Não é o primeiro com essa conversa.
    O que é maturidade? Aceitar tudo, ser moderado, ir com a onda, sorridente e bom dia, meu caro senhor? Em suma um acomodado, um bom e pacato funcionário público.
    O que houve de revolucionário na Exposição? Houve, ou não, um excesso de música no sarau do dia 15?
    Se ao menos os músicos participassem com duas ou três composições próprias, nos intervalos, estaria perfeito. Mas como pretendes justificar uma participação musical de vinte minutos e com músicas covers ??
    Existem muitos bares em BH que contratam os músicos para estes modestos shows ao vivo - por que tirar o espaço de poetas para ceder aos músicos? Se ao menos fossem músicos representativos, ou de vanguarda, um Victor-Hugo, por exemplo!
    Seja profissional, Sr. JB, e aceite que minha crítica é procedente.
   
     Grato pela atenção.

                   Hector Dias




De: Hector Dias [hector_dias@XX.com.br]
Para: Leir Macedo [leir_macedo@XX.com.br]
Assunto: sem querer polemizar
Data: Mon, 25 Apr 2005 - 16:07


Prezado artista e amigo Leir Macedo,
Saudações.

    Por que nós poetas somos tão egocêntricos e vivemos afetados e acabamos sempre desunidos e presas fáceis?
    Eu fico observando os músicos de MPB e o quanto os são organizados - nada de sindicato ou algo parecido - mas amizade, uma rede de amizades. Todos se conhecem e indicam bares e
casas de shows uns para os outros, e participam nos shows uns dos outros, e agendam shows em conjunto, se um não pode tocar em tal lugar, envia um substituto. Impressionante a união de classe!!
    Enquanto nós, os poetas, vivemos em conflitos, em mágoas e ressentimentos, uns com os outros, de peito estufado e trocando farpas. Não pretendo sugerir ou incentivar a fundação de um sindicato dos líricos e literatos. Longe disso. Estou defendendo a união e a cooperação em rede. Nem precisamos ficar em encontros e aperta-mãos (ainda mais que parece-me que os poetas mal se suportam!), mas sim unidos em prol da mútua divulgação.


    Não sei qual a sua opinião sobre a Óbvio, mas creio ser a mesma do Alfonso. E lamento que tenham razão. Meia dúzia de amigos se unem e fundam um grupo e vivem falando em expansão e transformação, mas concentram todas as decisões e não sabem trabalhar em rede, delegar tarefas e tal. Contudo, precisamos trabalhar para mudar isso!
    Precisamos ser profissionais. E, não sei se sabes, agora que abandono o funcionalismo público, integrarei a iniciativa particular, cuidando dos eventos do sr. Bishop, com captação de patrocínio, tudo para tornar-me profissional, e não um artista-parasita.

    Grato.

        Hector Dias




Sexta, 22 de abril de 2005


Querido Stevam

Há muito a ser dito. Posso começar dizendo que no momento que lhe escrevo estou extremamente gripada, em conseqüência de uma noitada na chuva, no domingo. Febre, dores por todo o corpo, e espirros, muitos deles. Minhas mãos tremem, minha letra está terrível e, por incrível que pareça, estou trabalhando.

Foi um dia esquisito, hoje. Uma enorme nuvem negra cobriu os céus, e uma tempestade magistral iniciou-se. Nada de sol ou luz, pois aquela nuvem cobriu tudo e parecia aquelas madrugadas em que os pesadelos dominavam minha pobre mente.

Antes de qualquer coisa, responderei a sua carta.

Agradeço imensamente seus elogios. Digo-lhe que eu fiz umas aulinhas de ORIGAMI, para relaxar, embora quando eu estou nervosa eu apenas amasso os papéis... E, sobre a minha letra, ela é esta mesma. Não deveria, mas é. Quer dizer, fiz oito anos de caligrafia para fazer esta letra, mas consigo fazer a letra que quiser, mas este é meu padrão.

(pausa para o café (...) Estou odiando esta carta e esta letra)

              (Depois escrevo mais, tá?)

                                                            beijos

                                                                                    Valkyria



Amanhecer de segunda, 25 abril


Querida Amanda,

Sonhei contigo.

Erotica e loucamente.
Como nos encontramos?

Ora, eu te presenteei com um daqueles espelhos enormes, para corpo inteiro, e deixei um idêntico em meu quarto. E os espelhos são uma espécie de 'portal', a ligarem Brasília a BH.

Claro, tu não sabias da magia. Eu te observava do meu espelho e tu nem percebias. Mas um dia estavas triste, e eu quis confortar-te. Atravessei os espelhos, surgi ao pé da cama e beijei os teus pés.

Despertaste fascinada e, mesmo não acreditando em magia, crendo estar num sonho, começaste a me beijar, e nos amávamos loucamente, num êxtase de beijos e carícias, e a coisa esquentava, até que, de súbito, quem aparece? A tua mãe!

Então sou obrigado a me esconder sob a cama, até que ela se vá, e eu possa mergulhar no espelho, antes que ela desconfie de algo!

Fascinante o sonho, por isso merece ser contado.


     do teu Stevam


...

LdeM

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