segunda-feira, 22 de agosto de 2011

... final do Capítulo 4

[...]





 Noite, 06 junho


Olá Amanda,



HD chegou, ao escurecer, logo quando eu acabei de ler a tua carta de terça, interrompida pela dor-de-cabeça (carta esta cheia de conselhos...)

Pois é, HD chegou, procurando o meu irmão, e logo me censurando pela minha inépcia (foi o termo que ele usou!) ao relatar meus dilemas diante de uma mocinha de dezesseis anos, já atormentada por dramas familiares e emocionais (termos que ele usou!) e ameaçou abandonar a revisão dos meus textos!

HD (ele não parava!) insistindo que eu devo tomar uma atitude e que parasse com esses versos para garotas problemáticas (coisa que o meu irmão já disse!) e que parasse de ficar trocando poeminhas depressivos-sorumbático-alienados, enquanto eu devia melhor empregar o meu tempo para conscientizar as classes exploradas (eu já disse que o HD é socialista?), mas não houve discussão, não temos tanta amizade assim (o morpheus não queria conversa, aliás o morpheus não é de ficar discutindo, nisso o HD é melhor)

Eu guardei a carta e voltei à mesa - ainda não terminara meu esboço para um conto macabro.


                                   do teu Stevam
                                                                   (muito confuso)



 terça, 07 de junho

(concluída ao anoitecer)


Oh, Amanda,

Fiquei a pensar no que o HD disse ontem. Ao acusar-me de inconsequente ao insistir no convite para o Rio, prometendo sucesso, vida artística e bla bla bla. Mas ele se esquece que tu sabes que eu não sou um cara abonado. Ele se esquece que se eu falei em vivermos no Rio foi por preocupar-me com o teu desgosto em viver aí com a tua família. E não propus casamento, morar junto, etc (o que não está excluído, claro) mas louco para nos conhecermos!

E estou impressionado com esse ar profissional do HD, que se julga mestre intelectual do meu irmão e agora quer estender a sua manta protetora sobre mim.

E meu trabalho meio aos computadores é tedioso e sem futuro. E é uma ironia, nós que amamos tanto um século 19 estilizado, idealizado, aquelas brumas da era vitoriana, sermos obrigados a trabalhar com informática, serviços de internet, telemarketing, e outras modernices.

E fazer o quê? Estou rodeado de classe média, meu pensamento é de classe média e eu escrevo para a classe média (somente as minhas idealizações é que são de aristocrata!)

Os 'aristocratas do espírito' (expressão que o meu irmão adora) vivem sem um real nos bolsos a perambularem pela noite, nos bares, oferecendo seus versos ou vendendo livros (e é coisa que o HD faz nos saraus), tocando num calabouço qualquer em troca de um cachê mirrado que não paga nem a cerveja.

                     do teu (apavorado!) Stevam





Quarta-feira, oito de junho de dois mil e cinco


Meu querido,

Tua carta deixou-me entristecida... a recusa do meu sangue. Diga-me: se ele te excita, por que o rejeita? O teu também me excita, o aroma de teus cabelos me excita, seu corpo, etc. eu gosto das tuas assinaturas de sangue. Gosto de sangue, tanto peça beleza, alívio e sensualidade. Acho lindo o sangue escorrendo de um corpo e sendo retirado por outro.

Eu aceito teu sangue, tuas angústias, teus desabafos, teu sangue! E aceito FELIZ, porque tudo vem de ti! E eu gosto muito de ti, Stevam. Eu não que anules de mim teu lado erótico, teu lado melancólico, ou qualquer que seja! O fato de parar de enviar teus sonhos e/ou anseios eróticos não vai fazer com que os anule ou esqueça. Só estarás me omitindo algo, coisa que eu não quero!

O sangue para mim é extremamente sensual. Eu me corto com um propósito e atinjo dois. Tanto que em muitos banhos, eu me cortava na parte interna das coxas, no pescoço, etc. O D. ensinou onde eu poderia cortar. Eu nunca me feri gravemente.

Então deixa de ser bobo, envie o que quiser, eu vou adorar receber. E quanto ao sangue, ele está esperando para ser reenviado.

     Beijos sangrentos

                                             Amanda


Post Scriptum:

Essa carta está tão vazia... eu também. Acho que preciso de inspiração, motivação...

Vou ver se acho uma poesia bem bonita para enviar semana que vem.

Beijo.




Sexta, 10 junho     noite


Minha querida,

Estou muito contente, minha doce senhorita, sabes? Eu posso sentir! Oh, posso jurar! Se o amor existe? Pode acreditar em mim, tu sabes! E começo a crer em nosso amor sob o que se pode chamar de 'compreensão'! compreensão e confissão! Acredite, eu me lembro (oh, é uma história tola!) de antigas promessas, em uma palavra, de falar sobre 'o amor'! sim, mas é curioso, aquela tarde na internet, um e-mail sentimental - e eis, minha amiga, um coração ávido, uma alma - eis!, o amor!

Meu desejo fez uma confissão, um ardor dentro de meu coração, sem pensar nas conseqüências.

Primeiramente, entre nós, seja dito, eu me senti orgulhoso ao descobrir uma 'fã', compreendes, depois das confissões eu percebo o nascimento da paixão. Mas façamos distinção da amizade! Um compromisso sem envolvimento sexual: eu não influenciei eroticamente nossa correspondência. A distância transforma o desejo em dor, em uma tristeza profunda.

Portanto, não tenho entendido mais minha duplicidade: o desejo e a consciência do desejo. O gosto de sangue e os remorsos. Já não compreendo: a excitação, uma perversão? Teu sangue é um símbolo de teu sofrimento!

Eu disse a verdade, o que queres? "sou eu mesmo e não outro!"

Tanto pior para mim: meu distanciamento causa mais sofrimento! Por conseguinte, eu continuo solitário - com minhas lágrimas. Tenho confessado tudo sem pudores - podes crer, minha inestimável Amanda?


    Beijos.


ps . acho que troquei uma palavra por outra - o amor ou a paixão? Qual a diferença? A paixão é amar a própria dor.


do teu Stevam





terça-feira, 14 de junho de dois mil e cinco


Estou triste....

Ai, Stevam... não fazes idéia do quanto me faz bem receber as tuas cartas...

Eu ainda estou me perguntando se devo ou não te citar os acontecimentos dos últimos dias. Tenho receio, porque às vezes tu dizes que "não sou analista", e depois "I love you with all of your problems"... é tudo muito confuso.

Mas já vou dizendo que ODEIO esse carinha, esse tal HD. Quem diabos é ele? Pô, ainda por cima SOCIALISTA! Que horror! Pô, eu acho socialismo legal, mas tão UTÓPICO! Sem muitos fundamentos coerentes.

Voltando ao cara: a vida é sua, você decide a quem confiar problemas - eu não me sinto mal em te ouvir, eu me sinto útil - , mas deves se controlar, digamos assim, e acima de tudo selecionar as pessoas a quem conta tais coisas. De gente ruim o mundo está cheio.

Eu percebi que tudo que nos falam tem um fundo de verdade. Fiquei tão ofendida quanto tu, às palavras do HD. Mas - eu havia dito - o artista só é reconhecido quando morre. A não ser que escrevas best-sellers ou pornografia, não vais ser reconhecido agora. Não estou gorando. Pelo contrário, meu sonho é ver teu livro. Mas um autor de contos sombrios não atinge a "massa" - tão odiada por mim. Afinal, tu escreves coisas de períodos já passados, com influência romântica e simbolista, etc. agora a maldita moda é o modernismo - essa merda! - e coisas sem sentimento, sem nexo e completamente vulgares.


             Deixe-me voltar ao meu subconsciente....





Madrugada de quarta-feira, 15 junho


Minha querida Amanda,

Aí vai um abraço bem forte! E toda a minha devoção.

Permita-me sugar preciosos minutos de tua atenção.
É noite fria, nevoenta, silenciosa. Acabo de chegar do centro histórico, onde encontrei os amigos no centro cultural, onde era exibido um famoso filme do Kubrick, o "Laranja Mecânica".

Depois do filme, ficamos na escadaria da matriz (veja o postal de Contagem) debatendo filosoficamente sobre a questão sexo e violência, pois alguém comenta sobre as cenas de estupro, e o assunto ganhou vulto quando eu comentei que o sexo é uma violência consentida. "Contradição em termos", uma voz se ergueu. É o Valêncio, também Stevam, o filósofo do grupo, "violência é sempre contra a vontade". Só havia uma garota conosco, a Sandra, amiga dele, e ela toda escandalizada.

Nem estávamos falando sobre sadomasoquismo, mas sim das relações ditas 'normais', e meu argumento era darwinista: a fêmea elege um macho para protegê-la de outros machos e paga esta proteção com amor, devoção - e sexo. Visto que o próprio ato sexual envolve luta, invasão, dominação, vigor e humilhação - e a fêmea aceita tudo isso - e tem prazer! Daí a mulher transformar a indignidade em satisfação - e sugar o homem, ao contrário de ser sugada! Ela se entrega à violência da paixão - voluntariamente! Assim é o homem que vai saciar o desejo dela - e ser performático e perfeiro!

Assim tentei apaziguar os ânimos - a Sandra se acalmou. Aí o JJ defendeu a distinção violência é maldade, sexo é interesse, ou jogo, algo assim. Aí eu insisti, em termos simples, que o mal é o que traz prejuízo, e o bem é o que traz benefício, é produtivo, e que a violência não é má em si, depende do uso que se faz - e daí a me chamarem de fascista foi um passo, e então, lembrei do Nietzsche, que Bem e Mal é problema para a moral decadente e que, no final das contas, manda quem tem poder, quem paga a conta.

Ora, eu pergunto, o sexo é meio ou fim? Ou melhor, eu me entrego ao Outro para usá-lo ou para melhor encontrá-lo? Melhor ainda: o sexo vale pelo prazer em si ou vale para me unir mais intimamente ao Outro? Na primeira perspectiva, o sexo é fim; na segunda, é meio. E quando o sexo é o objetivo em si mesmo, o Outro é um simples meio de conseguir prazer. Muitos casais se encontram apenas na cama - só buscam o prazer carnal - e se iludem com o mito do amor.

Quando falei em 'mito do amor' todos protestaram: pois agora você é um niilista! Aí eu perguntei se alguém ali amava sem ver a aparência, se amava à distância - aí o Valêncio sorriu (ele que sabe sobre o nosso romance à mil km) - e ninguém se manifestou. Só amam se o outro for belo, sensual, agradável aos olhos e ao toque, depois pode se amar a voz, a inteligência, os talentos, as virtudes, etc, mas o primeiro atrativo é a aparência!

Eu quase fui tentado a mencionar o nosso excêntrico amor por correspondência, mas ilustrei mais simplesmente: o amor entre os softwares, que desconhecem os hardwares um do outro, são as almas que se encontram, indiferentes ao aspecto do corpo.

Aí todos acharam que eu estava fazendo anúncio para a próxima novela global, com esse papo de 'alma-gêmea' !

E cada um foi para o seu canto.

(havendo novidades, escrevo mais)


     do teu (sempre devoto) Stevam





De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: por que o teu silêncio?
Data: Tue, 21 Jun 2005 - 18:08


Querida Amanda,

Por que o teu silêncio?

Hoje faz uma semana que escrevi a carta anterior - falando sobre amor e sexo - e as últimas cartas tuas, que recebi, estão datadas de 08 de junho - duas semanas, portanto!

O que houve? Estou preocupado. Terei te chateado com alguma insanidade de minha parte?

Por que o teu silêncio?

Não quero nem imaginar que tenhas me abandonado, ou tenha acontecido alguma tragédia contigo!

Vou continuar enviando os envelopes, com textos - mas sem cartas - até me responderes.


    do teu (entristecido) Stevam


ps. E por que só o D. e o Márcio (além da Sofia) têm o teu telefone?

      Não poso ligar para ti?




Quarta 22 junho    23h13


Querida Amanda,

Acabo de chegar em casa e ler as tuas cartas (tão esperadas!) tentei jantar, mas o meu estômago dói, e estou num grau de ansiedade terrível. Problemas de grana - mas principalmente o teu silêncio!

(desculpe-me o e-mail que enviei ontem - mas não consegui me controlar!)

Amanda, quero deixar bem claro que não estou contente com a nossa correspondência - não estás cumprindo o pacto - quero os teus poemas! Quero que envie pelo menos uma carta por semana - desta vez ficaste uma semana inteira sem contato!

Quero deixar bem claro que não vou mais aceitar estas cartas de puro desabafo adolescente - eu superei esta fase e não sou analista. Aceito os teus problemas quando te fazem meditar e criar (os teus belos poemas) - em suma, superar. Esses desabafos não me interessam.

Se não tivessem me conquistado com tua emoção e inteligência, eu não estaria separando tempo para me manter em contato com uma pessoa a mil km!

Se parei para escrever estas linhas, é por admiração, é por querer um amor de superação.

Olhe, Amanda, estou muito abalado. Resolvi me afastar afetivamente de mulheres justamente por causa do capricho delas, sim, o capricho de 'jogar' com a sedução e chantagear com a frieza e o abandono.

Não quero ter piedade de ti, nem ficar com essa de compaixão! Eu ofereço compreensão. Eu compreendo o teu tormento - por que eu sofri o mesmo!

Não quero mais ficar lamentando. Espero que construas algo útil a partir do teu sofrimento.


      do teu Stevam




[telefonema, 26 junho, manhã de domingo]


Stevam: Alô, Amanda? Tudo bem? Pode conversar agora?

Amanda: Oi, Stevam! Claro!

Stevam: Um momento, que eu vou abaixar o som...
(pausa) Está sozinha? É? Como você está?

Amanda: Ah, estou de camiseta preta, saia, diante do caderno, na sala.

Stevam: E eu estou de cabelo solto, roupa social e ouvindo Anathema, album Alternative 4.

Amanda: Por que tudo isso?

Stevam: Quero ler um poema. (pausa) Tudo o que tinha, e tenho, a dizer, está nas cartas, e nos e-mails. (pausa) Posso ler? "Por que os suspiros de tristeza? Sentes da vida a aspereza? Brilhará ainda o teu olhar Quando a tarde declinar?" Está acompanhando? (voz insegura) "Aceitará agora nestes versos A amostra de meu universo?" Então, o que achou?

Amanda: Ah, eu gostei. (risos constrangidos)

Stevam: Uma cópia segue na carta que enviei.

Amanda: Quando você enviou?

Stevam: Na quinta. Não, deixe-me ver, na sexta!

Amanda: Recebi uma carta sua, antes de ontem.

Stevam: Sobre o que?

Amanda: Ora, que você enviou antes, por e-mail!

Stevam: Ora, mais não havia carta, era uma cobrança pela sua demora.
  O mais interessante era o conto - o da menina e o espelho.
   O que achou do conto?

Amanda: (tom evasivo) Muito interessante.

Stevam: O que exatamente?

Amanda: Ah, é, como vou dizer?, me falta a palavra. Mas é que o espelho...
Bem, o espelho, eu tenho um espelho de corpo inteiro, no meu quarto...
Mas eu o deixo de lado... para não ver o meu rosto...

Stevam: então? Não vê? Esse papo de alma gêmea não é brincadeira...
O pessoal aqui fica ironizando por causa da novela das seis,  mas eu acredito.
Sei que é platônico, mas Platão não errou em tudo, isso ele entendeu.
(pausa) eu vejo o teu quarto nos meus sonhos, e eu posso dizer que até posso
descrevê-lo, e vi o espelho.

Amanda: (riso constrangido) ...

Stevam: (pausa)

Amanda: Eu não consigo conversar ao telefone. Ainda mais com alguém que eu não
conheço, quero dizer, que eu só conheço por carta... não converso muito, sabe...

Stevam: Tem algo que gostaria de me dizer? (pausa) eu sei que tenho sido meio
exagerado nos últimos e-mails, principalmente os de quarta-feira, mas é que ando
com uns problemas, alta de grana, dor no estômago, assim meio sensível, e não
suportaria ser abandonado agora... (pausa) Como já disse está tudo nas cartas.
Quero ler outro poema. Lembra-se do primeiro poema que enviei?

Amanda: Aquele do James Joyce?

Stevam: Ah, sim, aquele foi o primeiro. Uma tradução, do poema que está
No Retrato do Artista. Mas me refiro ao primeiro meu. Aquele do Joyce foi um
teste. Eu tinha traduzido e pensei em enviar para o Templo Sombrio, mas
você apareceu antes. E pensei, Vou testá-la para ver se ela gosta realmente
de poesia.

Amanda: Ah, então foi isso...

Stevam: Mas deixe-me ler o poema, lembrar-se dele, "algumas palavras"?

Amanda: Ah, claro que eu me lembro!

Stevam: É isso. E ainda faço as mesmas perguntas.

Amanda: E espera uma resposta agora?

Stevam: Não, não. Pense. Depois escreva.

Amanda: Ah, sei.

Stevam: Escreva. Eu me salvei assim: escrevendo. Não que se limite a desabafar seus problemas, mas que o que pensas sobre estes, e como poderá superá-los. Usar o problema para se superar, para criar, um poema, por exemplo, ou falar de coisas que somente você vê. Sendo... somos curingas, e por isso vemos as coisas diferentes dos não-curingas. Uma escultura pode me afetar como a nenhuma outra pessoa. O que quer que te aconteça só terá importância sob a tua perspectiva, a singularidade do seu olhar, que vai tirar o manto das aparências. É isso. Não vou falar sobre os meus problemas. E, se mencioná-los, será para relatar o que fiz a partir destes. E se algo acontece ao seu redor, não deixa de ser relevante. Assim conte-me o que ocorreu, mostre-me sua visão das coisas.

Amanda: É, vou tentar. Eu tenho o caderno aqui diante de mim, mas é para anotar uma série de programas que preciso fazer download para consertar o meu pc... não tenho mais o que escrever. Os meus poemas eu entreguei ao meu amigo, que falei para ele guardar senão eu queimava tudo.

Stevam: Mas, segundo o nosso pacto, não deveria enviá-los para mim? Eu não enviei alguns sonetos? Não são jóias, obras-primas, mas são frutos de um certo esforço, e poucas pessoas, eu diria umas três além de mim, têm lido meus versos.

Amanda: É, eu sei o quanto é difícil escrever um soneto...

Stevam: Inclusive escrevi um ontem mesmo. Depois envio.

Amanda: É, vou rascunhar uma carta para enviar amanhã. (pausa)

Stevam: Mais alguma coisa? (pausa) Está ouvindo? O som do Moonspell? Acho que já comentei o show dos caras. Um dos melhores shows no qual eu fui. O vocalista Fernando Ribeiro, com aquele visual vampirão, com uns cinco vocais, e que presença! E o cara é poeta, imagine, e fui à uma tarde de leitura do amigo dele, o José Luís Peixoto, na Feira do Livro...

Amanda: É, eu descobri o Fernando Ribeiro antes de saber da banda. Eu encontrei versos dele num site de literatura gótica, quando comecei a me interessar por vampirismo, essas coisas...
Inclusive "Como escavar um abismo"...

Stevam: Maravilhoso! Eu o tenho aqui em algum lugar... até já declamei no sarau do Leis da Noite... Posso ler para você no próximo domingo? Vou encontrá-lo aqui, ao remexer nos baús............

Amanda: Ah, pode ligar. Domingo de manhã eu geralmente fico em casa... mexendo no computador...

Stevam: Então, Amanda, é só isso? Não quer mais alguma coisa?

Amanda: Ah, não. Depois eu escrevo. Sou melhor através de cartas.

Stevam: entndo. Então ligarei no domingo.

Amanda: obrigada por ligar.

Stevam: Beijos, querida.

Amanda: Tchau.





De: bianca maria [abeatadanoite@XX.com.br]
Para: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Assunto: Re: [Templo Sombrio] Um soneto (sobre o ópio do povo0
Data: Thu, 30 jun 2005 - 01:53


Maravilhoso! Simplesmente maravilhoso Stevam.

Fico feliz de saber que bons ventos o trazem e também a este
MARAVILHOSO (não me canso de repetir) soneto. :P

Ob.: Vc anda meio sumido da lista, espero que esteja tudo bem.

Também esperava que fosse participar do conto coletivo.

No mais abraços e sucesso.

O soneto ficou simplesmente MARAVILHOSO ! ! !

Até
       Bianca






De: bianca maria [abeatadanoite@XX.com.br]
Para: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Assunto: Re: olá bianca ! ! !
Data: Sta, 2 jul 2005 - 02:50


Querido Stevam, se continuar me elogiando dessa forma,
me chamando de musa...

Muito obrigada pelo elogio. É bom ser musa de vez em
quando, faz bem para o ego.

Mas o que me deixou extremamente feliz foi o seu presente,
porque adoro ganhar presente.

Eu amo o seu modo de escrever. Como você retrata as
relações humanas...
E PARABÉNS por compreender tão bem o mundo a sua volta...

Quanto ao Leis da Noite eu fui e foi ótimo. Só não
participei do sarau porque não cheguei a tempo...

Olha só pra você vê a musa que você achou. Ninguém respondeu
ao meu apelo de vagar pela cidade. Veja só que triste. O que
posso fazer?

Vagar sozinha, SOZINHA. Tudo de bom contar com os meus
próprios passos...

Muitos beijos e tudo de bom. Ah, e sempre quando puder me
envia um poema seu...





[telefonema - 03 julho - noite ]


Stevam: Amanda, é você? Sou eu, o Stevam.

Amanda: Ah, Stevam. Como vai?

Stevam: vou bem. Mas que voz rouca é esta? Resfriado? Algo muito forte?

Amanda: É, estou gripada. Tô com medo de virar pneumonia...

Stevam: Que isso, Amanda! Se resfriou como? Pegou uma chuva?
É a mudança de estação?

Amanda: Não, não. Surgiu assim... nem sei como...

Stevam: Sua voz 'tá fraca. Você está bem, mesmo? Liguei porque fiquei preocupado
com o e-mail...

Amanda: Ah, mas tem outras coisas. Perdi minha avó esta semana...

Stevam: Ah, eu também perdi uma tia-avó, a quase um mês, mas não sou
  Muito ligado à família.... você convivia com a sua vó?

Amanda: Não, não. Só vez ou outra. E olhe que ela morava perto...
  Mas éramos afastadas... aliás, vivo afastada dos parentes...

Stevam: Eu também. Não que eu os afaste, eles é que me afastam...

Amanda: É, eu entendo. Ainda bem que não me obrigaram a ir aos funerais.

Stevam: Eu costumo ir mais à velórios de desconhecidos do que de parentes.

Amanda: Ah, outro papa-enterros!

Stevam: Não é isso. É para observar mesmo, para escrever.
É pra ver o quanto as pessoas são falsas... fingindo a dor da falta...
Basta sermos autênticos e lembrar a finitude e a solidão da morte,
Para sermos tachados de soturnos e inconvenientes.  (pausa)

Amanda: Estou ouvindo uma banda bem deprê...

Stevam: (ouvindo a melodia ao fundo) Sombria.

Amanda: Mas a banda que eu gosto mesmo é a Pétala Rubra.

Stevam: Pois eu pensei que a Pétala Rubra fosse a sua banda! Fala o tempo todo nela!

Amanda: Ah, não! A minha banda nem deu certo, nem passou do ensaio, e eu treinando a voz...

Stevam: Pois a minha banda desabou junto com as torres gêmeas de Nova York... quero dizer, na mesma semana... não por falta de arte, mas devido a guerra de egos. Afinal, montar uma banda é o mesmo que viver em família.

Amanda: (risos)

Stevam: Se a banda tivesse dado certo, nós é que abriríamos o show do Moonspell, e seria a banda mais gótica e folclórica de Minas apresentando a mais sombria de Portugal. Mas aí apareceu uma bandinha cover de quinta categoria.

Amanda: (pausa) Eu enviei uma carta.

Stevam: Estou esperando. Tenho uma pilha de textos para enviar.
(pausa) É isso. Liguei para desejar melhoras.

Amanda: Acho que vou ao hospital.

Stevam: Hospital? A coisa então é séria?

Amanda: Eu não gosto não, mas estou com medo de piorar.

Stevam: Então é melhor mesmo procurar um médico.

Amanda: É mesmo. (pausa) E antes de você desligar: conhece o WWF?

Stevam: Uma ONG ambientalista?

Amanda: É. Entrei no WWF hoje.

Stevam: Por que? Acha que os ecologistas ainda poderão salvar este planeta?

Amanda: (risos) Quem sabe. Mas foi um caso que me aconteceu.

Stevam: Pronto, você já tem um assunto para escrever, então mande uma carta.

Amanda: Tá certo. Eu vou escrever.

Stevam: Bom. Eu desejo melhoras. O problema da doença é este: lembrar que temos um corpo, que carregamos um corpo por aí.

Amanda: Obrigada. Tchau.

Stevam: Tchau.





Terça-feira, 05 de julho


Minha Querida Amanda,


Eu te amo muito, muito (sem rancor)

Fiquei impressionado ao ler os textos - tão densos - e depois descubro (lendo a carta - tão curta!) que não são teus! Então quem é (são) o(a)(s) autor(e)(a)(s)? realmente não vais mais enviar os teus poemas? O que te leva a pensar que ficarão mais seguros com o teu amigo do que comigo?

Pô, que deprê isso:

"os sonhos bailam
no fundo do coração
mas as mãos estão
cortadas"

este texto (em várias páginas) é um soco no estômago - é Clarice Lispector com depressão profunda!

Ou então esta passagem:

"agora não sei como
encerrar
porque enterrei a dor
e perdi o verbo
que pairou nas águas
de minha garganta"


Porém nós não cultuamos a tristeza - nós a aceitamos e criamos a partir desta ausência de contentamento - a tristeza é o nosso viver em desconforto, é a sensação de sermos uns pobres exilados, sem porto seguro ou qualquer abrigo.

Daí a importância de diálogo, da troca de cartas, por ser uma possibilidade de alcançar o Outro e compartilhar a dor, o desassossego.

Por isso, Amanda, estou cansado de continuar em meus monólogos - não respondeste a minha carta (não tinhas recebido ainda?) - não respondes minhas indagações fundamentais (eu já falei disso antes) e ainda o mesmo: ora o tom evasivo, ora o desfilar de desabafos.

Amanda, conseguiremos transpor os abismos de tempo e espaço que nos separam?

Se ficaste ofendida, eu já pedi desculpas.

Se ficaste amargurada, é porque no fundo no fundo eu toquei nas verdadeiras feridas.

Mas não posso satisfazer nenhuma de tuas ânsias - tenho meus problemas, tenho meus conflitos.

É impressionante que tenhamos dito tanto um ao outro - e não nos entendemos. E são confissões das quais nem nosso familiares desconfiam... que poucos amigos sabem... e textos inéditos... que ninguém ainda leu...

E quando eu telefonei - me esforçando para ser romântico - respondeste, ao final, meu 'beijos' com um simples 'tchau'...

Ah, também é ingenuidade de minha parte, sim, imaginar que depois de saberes que, além de narcisista e neurótico, sou um poeta falido, ainda desejarias estar ao meu lado.


         do teu (de sempre) Stevam


          "fecha agora o livro
            desperta para o sono
            que a morte vigia"





terça-feira, cinco de julho de 2005

Stevam Lucena, não o entendo!

Antes de qualquer outra coisa, digo-lhe que sua carta só chegou hoje de manhã. Lembra-te, conversamos um pouco no domingo, e já te expliquei meu estado de saúde.

Tenho que pedir-lhe uma coisa. Não, isto eu exijo!, Stevam: NUNCA MAIS DEVOLVA MINHAS CARTAS E/OU FRAGMENTOS DELAS !!! Além de ser descortês, boas ou más, eu as escrevi para ti! Jogue fora, rasgue, queime, atire pela janela, mas nunca mais me devolva nada. Por favor.

Outra coisa. Sei que não estou em condições de pedir muito graças a esse sumiço. Mas não seja grosso comigo novamente. Eu sou sim, extremamente grossa - com quem merece a grosseria. Tento ser justa, e tu não estás agindo assim comigo.

Descobri uma filosofia de vida interessante, que eu já havia pensado vagamente sobre, mas que agora, devido às circunstâncias, sou obrigada a virar adepta temporariamente.

Há uma música do IMAGON MORTIS (*) que diz assim:

"Entenda que os rios correm para o Oceano
assim como este que agora navegamos (...)

Veja este peixe / que alimenta o homem /
Que alimenta o verme / que alimenta o peixe novamente.

O peixe pergunta por que morre / ou nasce?

Nós todos vamos nos afogar / deixe o grande rio correr.
Inação é ação / agora você sabe o jeito
Deixe o grande rio correr ... "

Percebeu o que quer dizer? Quando uma pessoa se afoga, se ela levanta os braços e tenta se manter com a cabeça fora da água, ela se afoga mais ainda... ("inaction is action") mas se ficar imóvel, ela bóia... e sobrevive se alguém estiver perto.

A morte é, acima de tudo, conseqüência inevitável. Todos nós estamos em fase terminal. "Nós todos vamos nos afogar"

E percebi, depois que repentinamente minha depressão foi expulsa, no domingo, que agora o que posso fazer é superar os meus medos, dormir e estudar os sonhos, ao invés de temê-los. E seguir as ordens médicas e descansar a mente, já que nada pode ser feito para determinadas situações, como dizem, "é bom se deixar levar de vez em quando"... em suma: Let the Long River run...

Acho que você gostaria de ler isto. Portanto deixei o sono me esperando aqui na cama, e escrevi. Esta é a Amanda que você ama, não é, Stevam?


            Um grande beijo...

                                         e todo o meu carinho.  

                                                                                        Amanda



(*) descobriu-se a referência a canção "Long River", da qual Amanda traduziu trechos.




De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: bianca maria [abeatadanoite@XX.com.br]
Assunto: Olá Bianca...
Data: Thu, 07 Jul 2005 - 17:35


Olá querida Bianca...

ontem sonhei contigo, Bianca.

um sonho com a musa, não com a Beta. Um sonho nem gótico nem
erótico, mas surreal, a la Rimbaud e Salvador Dalí.

eu estava caminhando por um jardim, à sombra das árvores, e parei
sob uma goiabeira com enormes frutas de polpa branca. Colhi uma
(do tamanho de uma pêra!) e continuei o passeio, degustando,
meditando e, de súbito, notei estar nu - uma espécie de Adão
no paraíso terrestre.

então surgiu um vulto, pálido, cabelos longos, gestos flutuantes,
contornos esguios, em suma, uma figura feminina. Também nua - e
não me surpreenderia se fosse a própria Eva. E a mulher trazia
uma flor nas mãos - uma rosa vermelha.

continuei mordiscando a fruta, mas atento ao lento aproximar
da mulher.

quando ela chegou, deslizando a língua nos lábios rubros, em
destaque na pele pálida, num gesto ligeiro e preciso, apossou-se
de meu genital - e o arrancou! E ali plantou a rosa vermelha!
eu não sentia dor - mas um prazer semelhante a um orgasmo. Eu
então gritei (não "Eva!", ou algo assim) - "Beatrice!", e ela
respondeu, com um sorriso angelical, "O que desejas, Dante?"
eu apalpei a rosa vermelha entre as pernas - e acordei.

é isso. Contei afinal.

depois envio o poema que escrevi - somente para ti.


    Stevam





De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: bianca maria [abeatadanoite@XX.com.br]
Assunto: ansiedade
Data: Mon, 11 Jul 2005 - 17:27

Bianca,

não estou aguentando esperar o Leis da Noite para conhecer-te.
assim, estou pensando em convidar-te antes.
três opções a deslizarem pelos meus pensamentos inquietos.
primeiramente, um encontro ao estilo burguês. Um restaurante,
ali na Rua da Bahia, ou então um barzinho do Maletta.
em segundo, um passeio gótico, num entardecer de sexta-feira,
pelo cemitério do Bonfim (ou da Paz).
uma terceira seria um encontro romântico na Praça da Liberdade,
num anoitecer de sábado.
a primeira é muito 'normalpata', além de que eu não gosto dos
ambientes citados.
a segunda é meio depressiva, e quando vou a cemitérios prefiro
ficar em silêncio, para ouvir o sussurrar dos mortos.
a terceira me atrai mais, até porque já escrevi poemas maravilhosos
ali nos jardins da Praça, admirando a arquitetura da
passagem do século, e meditando sobre o escoar do tempo que
carrega pessoas, prédios e lembranças.
mas fica a teu gosto escolher o local (se desejas conhecer-me).
adoro o teu modo de escrever e a sutil rosa que adorna o teu
nome.
vou parodiar os anúncios amorosos (com a tua permissão) :
sou branco, alto, 24 anos, cabelos quase-negros, abaixo dos ombros,
e (se nunca me ouviste no Leis da Noite) dono de uma voz cheia
de lirismo e desassossego. E um tanto quanto narcisista (ah,
isso já percebeste!)

eis aí, portanto. espero não ter sido patético.


Stevam




De: Hector Dias [hector_dias@XX.com.br]
Para: Darío Sabine [dario_sabine@X.com]
Assunto: o que sonhei
Data: Mon, 18 Jul 2005 - 12:21


Caro amigo Darío,

Sonhei (depois do seu telefonema) que você estava de volta (não sei se em definitivo) e que resolvemos visitar o Flávio, mas ele (grande novidade!) não estava em casa. Então deixamos as irmãs dele, lá, diante da TV, e fomos passear, conversar um pouco.

Descemos para a Amazonas, seguindo à sombra dos muros, e eu (como sempre) despejando idéias e conceitos e planificações, num quase monólogo, sobre a vida e a arte, aí você comentou que queria rever a região, a cidade, e seguimos junto ao trânsito, eu indagando sobre o teu silêncio, que vc voltou mais ensimesmado do que nunca, e passamos o viaduto, subimos rumo a Praça do hipermercado, e eu tentando soltar sua língua, e o que vc fez?, tirou dos bolsos uma verdadeira papelada, nada mais nada menos que os textos que vc escreveu! De expressionismo a neo-concretismo alemão, passando por Queneau (?) e Artaud, e até versos em russo! E eu indagando sobre a xenofobia na Europa, e me mostrou um poema escrito para um vizinho que não gostava muito de latinos! E eu ali impressionado com o teu poligrotismo!

Acordei enquanto tentava entender um poema em sete idiomas!
Até em chinês! Humilhando Joyce!

Pois é, meu caro, mudaste muito. A lingüística substituiu a sociologia; o estruturalismo, o marxismo, não é? E onde ficou a literatura nisso tudo?

Hector




Crepúsculo de sábado, 23 julho

Minha Querida Amanda,

    Preciso escrever esta carta. A angústia me consome. Meu estômago me tortura. Daqui apouco o luar transbordante, o olhar de prata, surgirá sobre as montanhas - a aumentar meu desassossego. Preciso de ti! Nunca fiz tantas confissões a uma pessoa!

    Talvez pela distância, eu tenha me excedido em confissões. E tens conhecido as várias facetas de minha pessoa.

    Até o momento eu só tenho amado a mim mesmo (narcisista: aquele que volta a Libido para si mesmo) - logo não sobra amor para o Outro.

    E assim a minha pulsão sexual é reprimida, ou perversamente desviada, como diria o Freud, pois se não pratico lascívias, pelo menos, eu adoro ver (daí o voyeurismo) se não pratico, consigo me excitar vendo os outros praticarem - em fotos, em filmes, ou casais nos escuros das praças...

    Uma garota que eu amava muito, ela conseguia inibir minha excitação, pois quanto mais a amava, mais a respeitava, e não podia me imaginar transando, pois achava que isso seria humilhar.

    (talvez eu conseguisse transar com alguém que eu não amasse - mas não consigo aproximar-me de alguém só por aspectos físicos...)

ps. madrugada de domingo

    Amanda, eu preciso de ti! Não consigo me imaginar sem a tua atenção. És a minha confidente. Estamos ligados por nossas existências em desassossego.


                                    do teu Stevam





Anoitecer de segunda, 25 julho



  Querida Amanda,

    Mais uma vez a caixa dos correios está vazia. Pensei que havias prometido escrever a cada semana - pois é, já se passaram duas semanas!

    Se o teu objetivo é torturar-me, estás conseguindo.
    Eu não te abandonei - escrevo sempre, e escreverei mais. E ainda não sabes de tudo - por mais que eu tenha confessado, ainda sou um abismo sem fundo.

    Para cada momento que eu vivi, posso imaginar o que poderia ter sido, e narrar o que eu desejaria que acontecesse.

    Eu não te abandonei - agora, quanto a ti, não sei.
    Agora que me tens em tuas mãos, não seria crueldade abandonar-me?

    (uma grande virada no jogo, não?)


                                 do teu (aflito) Stevam





De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: minhas últimas palavras
Data: Tue, 02 Aug 2005 - 18:27



Amanda,

O que é isso de : "sete meses jogados fora" ??

Até parece que éramos noivos e estavas aguardando um futuro à dois, etc.

Sabemos muito bem que jamais nos encontraremos.

Desisti de te prometer um futuro (quando sugerí o Rio, tu desconversaste...), não posso assumir compromissos à mil km, não prometi felicidade, prometi compreensão - e nem isso consegui.

Tenho meus problemas, não posso te ajudar. Somos dois destroços de naufrágio tentando encontrar apoio um no outro - um cego tentando guiar outro cego...

Repito: nem te compreender eu consegui. Apresento aqui o meu fracasso. Só tenho a lamentar...

Mas não perdi sete meses - ao contrário, encontrei a garota mais enigmática do mundo - que desafiou até a minha mente de mentiroso profissional.

Não desperdice afeto comigo, não invista libido em mim, não faça planos, não me deseje, mas veja-me como um artista. Se nem amigos podemos ser, que pelo menos continuemos a ser admiradores um do outro.

Amanda, realmente não confie em ninguém, não se deixe precisar do Outro para encontrares a ti mesma, e não aceite conselhos (inclusive estes)

Mas que "seja infinito enquanto dure" o nosso amor de sete meses.


                                   Adeus.





De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: estou preocupado
Data: Thu, 04 Aug 2005 - 17:45


Amanda,

Estou realmente preocupado com a tua reação.

Não quis nem tentar entender, não quis nem conversar.

Não consigo parar de fantasiar. O que é bom para o meu trabalho ficcional (criar personagens e situações), mas atrapalha meu viver cotidiano.

Amanda, vivemos mergulhados em fantasias. Vampiros não existem, não somos vampiros, portanto, não somos seres noturnos, temos empregos, batemos o ponto, almoçamos e pegamos ônibus, não somos mortos-vivos nem bebemos sangue alheio. E quando nos chamam à realidade, reclamamos que isso 'quebra o encanto'.

A vida é um jogo, Amanda. Alguns jogam melhor do que outros, outros nem conseguem jogar. Estes são os perdedores, aqueles são os cínicos.

Não joguei com os teus sentimentos (pois eu te amo) mas com os teus conceitos e idealizações (e com ironia, sempre avisei-te para não idealizar) e com tuas aspirações à liberdade. Sim, pois (é triste dizer) não há liberdade. Estamos todos presos.

Foi docemente angustiante encontrar-te, mas nada posso fazer. Vou me afastar justamente para não te torturar mais.


                         do (desgraçado) Stevam




De: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Para: Valkyria [amanda.dark@XXX.com.br]
Assunto: como foi o Leis da Noite
Data: Sun, 7 Aug 2005  - 18:24


Olá Amanda, minha querida,

depois que liguei para ti, sob as luzes de néon, a três quarteirões do matriz, sentei-me num boulevard para reler uns poemas, inclusive Sopor Fratem Mortis Est, e pensar na minha loucura consciente.

cheguei pontualmente, sob as goteiras do terminal turístico, e esperei o Conde, excepcionalmente atrasado, e logo surgiu o Mutante e um amigo, que é sanitarista, e enquanto debatíamos a questão das células-tronco e a ignorância da cúpula eclesiástica, surgiu da penumbra o vulto esguio do Arcanjo, carregando dois sinistros candelabros, e é com presença do Conde e da Rainha, que convidam a todos, que se inicia o sarau.

e se Conde inicia com um poema dele mesmo, Arcanjo compartilha os versos de "Ismália" de Alphonsus de Guimaraens, e depois o emocionado Barão declama traduções de canções do The Cure. Participo lendo o poema "Rosa de Hiroshima", de Vinícius de Moraes, e Mutante, como novo figurino, de chapéu e bengala, declama traduções de bandas pesadas dos anos 80, se não me engano, Iron Maiden e Dream Theater, e logo a Rainha lembra o lirismo mórbido dos versos do My Dying Bride.

então o Penseroso recita versos próprios e o Barão vem com mais Cure, e eu leio letras do meu amigo TH, e também Moonspell, e outros poetas participam, mas não me lembro dos nicks (ou nomes) de todos, sabe...

e depois do sarau, eu e o Penseroso conversamos sobre o platonismo, esse lance de corpo e alma, além dos simbolismos dos cemitérios, citando, vez ou outra, trechos de Baudelaire. É meia-noite que um vulto de um mascarado surge nas penumbras de um teatro, onde uma cantora é atormentada por vozes sinistras, pois é o vulto sem face quem entrega suas dádivas de música e tragédia, trata-se do Fantasma da Ópera em espantosa adaptação do célebre musical, e preciso agradecer ao Barão que, ao meu lado, explicou-me detalhes do musical e da peça, gentilmente.

na hora da discotecagem, com uma banda que desconheço, estou atento as minhas paisagens interiores, já pensando um conto, e as melodias, as asperezas das letras, o bailado das vestes de luto e o hedonismo dos pares na pista, são inspirações, e muitas garotas, lindas e intocáveis, e penso em alguém, em ti, que é a que me ama mas está distante...

na mesa ao lado, Mutante. Volto-me para dentro. Penseroso vagueia nas sombras. Quando olho novamente, eis o Vampiro. É um fim de festa, comentamos a problemática dos Vampiros: são cadáveres ou espíritos? Reconheceríamos um vampiro em nosso meio?

enquanto Vampiro conta as novidades do mundo das trevas eternas, eu vou meditando as entrelinhas de um conto de terror.


o teu Stevam





De: bianca maria [abeatadanoite@XX.com.br]
Para: Morpheus [stevam_lucena@XX.com.br]
Assunto: Saudades do Poeta
Data: Tue, 9 Aug 2005 - 14:13



Querido Stevam, estou sentindo saudade de você. Suas palavras me fizeram falta, muita falta.

Porém lhe devo pedir desculpas por não ter entrado em contato com você para avisar que eu não poderia ir ao Leis da Noite.

Me perdoa? Eu acredito que você deve ter esperado ansiosamente pelo nosso encontro, como eu também esperei. Mas a situação se complicou, tive alguns 'bons' motivos para cortar o nosso contato assim tão de repente.

Passei por uma pequena crise financeira por motivos de uma enfermidade.

Além disso eu também me preocupei de você ter um conceito antecipado sobre o que estava acontecendo, para que eu cortasse assim, sem mais nem menos o nosso contato.

Mas agora isto não importa. O importante mesmo é quanta falta você me faz. Suas palavras, seus poemas, o carinho que você me dedicou no momento em que realmente eu precisava.

Como te adoro, você não tem noção do quanto te venero. Saiba que mesmo distante de você eu não te esqueci.

Achei interessante o convite de um encontro na praça da liberdade.

Agradeço os poemas do Bandeira e as letras dos Smiths.

EU TE ADORO!!!

Milhões de beijos adocicados para você ficar tranquilo agora.
E me perdoe, por favor

Morro de saudades...  beijos





[telefonema - qui, 11 ago 05 ]


Stevam: Alô! Amanda? É o Stevam. Ele mesmo! Tudo bem?

Amanda: Ah, estou com um pouco de preguiça.

Stevam: Já recebeu a carta?

Amanda: Não. Quando você enviou?

Stevam: Já faz uma semana! Que atraso, hein! Será por causa da CPI dos Correios?

Amanda: Sei lá... Mas vai chegar...

Stevam: Gostei das tuas fotos no flogao. Como consegue essas fotos?

Amanda: Ah, gostou? Como eu consigo? Ah, é segredo. Mas tem um amigo que me indica uns sites, sabe... Mas eu mesma poucas vezes fico contente com as fotos...

Stevam: Gostei daquela foto das crianças, lado a lado, com tanta tristeza nos olhares! Até deixei um comment...

Amanda: Ah, eu também adorei aquela foto! Mas ainda vou encontrar outras mais tocantes... Mas ando muito em busca de bandas... O Sopor eu descobri assim... O Pétala Rubra...

Stevam: Eu pensei que o Pétala Rubra fosse a sua banda...

Amanda: Oh, não! Quem dera... Eu é que descubro estas bandas obscuras.

Stevam: Pois eu pensei que fosse a tua banda... E estive numa banda. Só durou um ano, depois voltamos em 2001, mas não deu certo. Se estivéssemos tocando, talvez a nossa banda é que fria a abertura do Moonspell, em BH, ano passado. Esse nick "Morpheus" vem do cast da banda, uma máscara, sabe?, e os outros eram o Profano, o Erik, o Ruivo, o Mórbido, e outras sutilezas.

Amanda: Mas todo mundo gente boa, não é? (risos)

Stevam: É como eu disse: tudo máscara. E eu conheço todas.

Amanda: Sei. Ah, mas estou preocupada com a carta... Guarda as cópias, não guarda? Eu sempre me perguntei por que você tinha cópia das cartas. Mas pensava, Ah, esse cara deve ser um daqueles loucos, que escrevem nos bares, em pedaços de papel, tipo a Clarice Lispector, usando guardanapos.

Stevam: Pois eu escrevo assim! (risos) Inclusive enviei um guardanapo onde rascunhei uma carta...

Amanda: Ah, é?

Stevam: Mas eu passo a limpo tudo o que escrevo. Minha letra é horrível, não entenderias nada se eu enviasse os rascunhos...

Amanda: Então vou ficar esperando.

Stevam: Não leve muito a sério se escrevi algumas coisas piegas... Mais alguma coisa?
             Não? Então, minhas despedidas.

Amanda: Beijos.

Stevam: Tchau.





(do diário de HD)



14 agosto


    Visita ao Alfonso. Julguei necessário, de imediato, encerrar qualquer nebulosidade sobre a nossa amizade. Até porque Alfonso anda meio deprê, coisas de família, imagino.

    Quando cheguei Alfonso estava ao computador, a redigir um texto para o Jornal, onde colabora como revisor e colaborador, principalmente quando o assunto é cultura, meio cultural, literatura. Percebo que a atenção dele é um tanto dispersa, daí resolvermos sair para andar e então conversar.

    "Arte à venda". Quem dá mais? Crítica à indústria do entretenimento. Alfonso não vê sentido nos eventos que promove e teme repetir a mesmice. Sua pretensão é conciliar originalidade com lucros, em eventos ousados e lucrativos.

    - Chega de pagar para trabalhar!

    E arrastou-me para a boate, a uma quadra do metrô, onde pretendi uma noite de poesia simbolista, com clima de cabarê. Gostei do local, muito parisiense, digamos. O problema: está na área residencial. O bar deve fechar à meia-noite.

    - Preciso de uma planilha de custos.

    Tentei ser objetivo e prático, mas Alfonso está mais para o lírico, acomodando-se numa poltrona.

    - É como estar no útero.

    Ou seja, o lugar é agradável.

    Depois seguimos rumo ao shopping erguido na área da antiga fábrica de cimento, onde ainda permanecem eretas as quatro chaminés principais. E é sob a sombra das chaminés que Alfonso comenta o expressionismo alemão e eu sou obrigado a lembrar dos campos de extermínio, de onde a única saída era, literalmente, por via aérea.

    Sou convidado para um lanche, assim adentramos o shopping, que sempre julguei templo do consumismo, mas para Alfonso, que nem se altera, o shopping não é 'direita' nem 'esquerda', onde quem pode compra, quem não pode olha as vitrines e sonha. Acha que o meu leninismo nasce da minha inveja do bem-estar burguês.

    - Gulag não é política.

    Isso ele diz querendo, numa indireta, rotular-me de stalinista. E claro que é irônico discutir política numa lanchonete de praça de alimentação de shopping.

    - Prefiro os botecos do Mercado Central.

    Eu digo, cortando-o quando ataca o Estado, que visa a eficiência e não se importa com o indivíduo. Que tipo de socialismo você espera? Social-democracia com economia de mercado planificada?

    Olhamos um para o outro suspeitando de certo acomodamento pequeno burguês. E resolvemos procurar mulher.

    Na verdade, uma amiga de Alfonso que mora na região. Pretende apresentar a garota ao seu amigo literato. Então seguimos junto aos faróis. Anoitece. E discutimos o inchaço da periferia, o excesso populacional, o engavetamento das obras de Malthus. E já esquecemos os eventos.

    Alcançamos o apartamento da prometida beldade, mas tudo fechado. Alfonso tenta localizar a moça via celular, mas em vão. Está desligado.

    Assim passamos a noite nos bancos da Praça da Glória, outrora até um cartão-postal, mas hoje está arruinada. Grupos de jovens perambulam entre os arbustos, e alguns disputam em manobras de skates e outros parecem vultos vampíricos num cenário de sombras. Quase somos atropelados pelos ciclistas em suas manobras arriscadas. E não demora muito, estamos num papo antropológico sobre as tribos urbanas.

    E estamos ali, juntos e solitários, a observar os vultos femininos, quase invejando os operários que passam enlaçando as cinturas de suas mulatas. E que mais podemos fazer?

    Para suportar o peso do vazio vamos ficar bêbados.

    Providencialmente foi Alfonso quem pagou o vinho.






Noite de vinte e um de agosto, domingo


  Amanda, minha querida,

    Mil abraços.

    Espero que estejas bem. E melhor ainda quando receberes esta carta.

    Ontem fui a uma festa de roqueiros, aqui na região mesmo. O pessoal tocando rock progressivo, e também baladas do grunge. Aí alguém exumou um álbum do Black Sabbath e velhas cações ressurgiram. Aí veio a nostalgia de tempos não vividos, e de outros vividos quando se é adolescente e somente as emoções contam.

    (duas canções despertaram lembranças de ti - não me pergunte porque - e estou enviando-as traduzidas)

    (em anexo: traduções de Changes e Planet Caravan)

    Pensei tanto em ti que brotaram entre os meus dedos uns quatro sonetos! Envio todos de uma vez - até duas versões com o mesmo 'mote': "Amar os teus belos cabelos negros"!

    Também sonhei contigo - após rever fotos do teu flogao - em sonhos inquietantes. No mais marcante, lembro agora, estás diante de mim, com os pulsos recém-cortados, não deixando gotejar o sangue, mas bebendo-o, com até certo prazer - e rindo sarcástica - com um desafio, tipo: "Estás vendo? Não podes impedir-me!"

    Nem preciso dizer que perdi o sono.

    (uma pergunta: de quem é a foto daquela garota 'mal-humorada' no teu flogao, com data de março?)

    E sonhei comigo mesmo. Minha face derretendo. Foi assim: parecia-me estar despertando no apto de uma tia e indo ao banheiro, para lavar o rosto. Então notei gotas rubras na pia. O que seria? Ergo o olhar para o espelho - meu rosto desfigurado!

    As pálpebras pendentes, sem cílios, os olhos agora buracos sangrentos, e o nariz deformado, e os lábios em tiras, literalmente caindo... tento fugir, meus primos nada percebem - será uma alucinação? - minha prima ironiza meus olhos vermelhos - fumando um baseado? - mas somente eu percebo minha deformidade - uma máscara derretendo? Sim, mas uma máscra tão confundida com o meu rosto, que, derretendo, derrete tudo junto!

    Acordei, e perdi o sono.

    (atualmente os meus pesadelos são os meus mais íntimos companheiros.)

    Continuo a releitura das obras de Freud, e analisando comportamentos, esboçando cenas para os contos.

    Percebendo o quanto as pessoas se unem por interesse, por 'desejo', não por afinidades, por compartilharem idéias e anseios - amizades afetivas (como a nossa) são ironizadas! As pessoas querem as outras com algum interesse - para terem conforto, felicidade, prazeres e orgasmos, não auto-conhecimento, não para crescimento mútuo.

    As pessoas pouco conversam sobre si mesmas - falam sobre terceiros, sobre acontecimentos, comentam o clima - e quando se encontram é por interesse, ou em atração física, então não conversam, transam.

    E se a linguagem nos eleva enquanto seres racionais, a sexualidade nos mantém atados enquanto animais. A lingüística (o pensamento abstrato) nos apresenta a racionalidade, mas o sexo nos deixa ligados ao reino das emoções.

    Daí, agora, eu entender os curingas não como desprezadores do corpo, mas como "além-do-corpo". Assim equivalendo ao "uebermensch" de Nietzsche: os "além-do-homem", não os desprezadores dos humanos. Nietzsche usou o niilismo enquanto ferramenta, um 'meio', para atingir um fim: a compreensão do ser humano a partir de si mesmo, sem códigos morais ou divindades, mas aprendendo que sempre se é "humano, demasiadamente humano".


                do teu Stevam




 (fim do Capítulo 4 da Parte 3)



LdeM