quarta-feira, 2 de março de 2011

cap. 1 da p.3 (final)

[...]



    Quando cheguei à festa, ele já estava sem camisa, junto a piscina, batendo palmas e gritando meio aos outros marmanjos – Tira! Tira! – para as garotas que, meio bêbadas, semi-nuas, insinuavam um strip-tease, rebolando na orla da tal piscina.

    O anfitrião cuidava da churrasqueira, providenciando mais carvão. Quando olhei novamente, ele (o meu irmão) estava prostrado no chão. Perdeu o equilíbrio e caiu sobre os braços. Bêbado ao ponto de não sentir dor. As garotas não represam o riso, e os amigos (assim se dizem) não oferecem mais do que gozações.

    Stevam retorna ao seu trono de misérias, agora acaricia o braço lesado. As garotas continuam com suas provocações e logo ele está a aplaudir as strippers juvenis, que ainda ameaçam tirar o top do biquíni. Noto certa insanidade em seus olhos. Drogas e vodka? Ele normalmente tão reservado! Agora deixa-se ficar aplaudindo as ninfetas como se estivesse numa boate. Uma delas exibe os peitos e pula na piscina entre risinhos. Os rapazes deliram.

    Muito engraçado! Mais jovens chegam e logo uma banda desafina uns acordes, num palco improvisado. Um som punk, dissonante. Os caras se agitam.

    Logo, Stevam se enturma: um grupo a correr em círculos. Mas ele se agita, furioso, golpeia o chão com os punhos, enquanto os rapazes aproveitam para enlaçar as meninas, que correm entre eles, ou começam a jogar uns aos outros na piscina. Aí é que vem o inusitado. Stevam nem espera e vai ele mesmo se atirar às águas! Com roupas, documentos, sapatos. E junto às garotas, que só sabem rir, ele tenta recuperar o fôlego. Vou precisar largar a minha taça de vinho, para ir verificar se ele está bem.

    O filho do anfitrião ajuda-me a pescar o Stevam, e ele se encolhe num canto, junto a bateria. Agora sente frio, a euforia já passou, ouço o entrechocar de seus dentes. Sim, a euforia se foi, ele já pode voltar a olhar par dentro de si mesmo.

    Aceita abrigar-se em meu casaco, e ser levado para o carro. Desisto de despedidas. Julgo ainda ouvir o riso das sereias.

    Ligo o ar quente do carro. E seguimos. Ambos em silêncio.




    Era o Bruxo que estava meio grogue. A garrafa de vinho vulgar quase lhe caía das mãos.

    Estavam sob as copas das árvores na abandonada praça do Eldorado, que muitos chamam de ‘cemitério’, com suas ruínas e ‘piscinas’ ressequidas. Os jovens de semblante pálido e roupas soturnas transitam entre os escombros do cartão-postal, acrescentando sombras às sombras, entre os arbustos sobre a iluminação fraca.

    Diante de um casarão. Um casarão cercado por altas grades e galhos retorcidos, de ares velhacos, em pleno abandono, de tempos imemoriais.

    Um vulto aproxima-se de Erik, que tenta suster o Bruxo, meio corcunda de notre-dame, mas não passa de um cara de vinte e três anos e sem rumos. Erik, com um menear de cabeça indica o grupo sob o poste, na alameda. Stevam percebe o gesto quando identifica o vulto. É o TH. E Aléxis, ao seu lado, também percebeu. E não menos Carol, a ‘ex’ de Oto, que detestava o poeta. Ninguém sabia o motivo (seria a morte da Sônia?), talvez a misoginia...

    - Saudações.

    Sempre muito educado. Somente Carol não responde.

    - Vejo a nova geração. Os da minha geração ou já se converteram ou já morreram.

    Ele adorava se mostrar o mais velho, o mais experiente. Não passara dos vinte e sete! E Sevam não era nenhum pirralho (com seus vinte e dois...)

    Erik sempre dava mais atenção. Era o porta-voz. E como falava! – E você, Mestre, por onde andava?

    TH fingia que não notava o tom irônico. – O de sempre. Noites adentro... A velha e infindável procura...

    E Carol lançava aquele olhar de “ele é sempre assim pedante?”, mas Erik já comentava o atraso do tal show e Stevam observa o figurino dos jovens, naquele desfile.

    - Belos modelitos.

    Agora TH era o irônico. Stevam fechou a jaqueta e se levantou. Sentia-se afogado ali.

    - Apenas uma forma de se vestir. Sim, uma moda. Não sabem do que se trata. E não sabem quantos morreram nas fogueira, ao resguardarem tais símbolos.

    Uma garota passou exibindo um pentagrama, estrela de cinco pontas. Não parecia ter mais de dezesseis primaveras (ou invernos...)

    - Menos que isso. Qualquer suspeita e se acendem os autos-de-fé.

    TH respeitava o interlocutor. Stevam sempre interessado. E TH, em voz solene, falava da História como se vivenciasse cada momento narrado.

    - Eles nem suspeitam que se os eclesiásticos estivessem no poder, nós não estaríamos aqui. Sabem algo de Napoleão e as leis de separação da Igreja e do Estado? Podem sentir o cheiro de carne humana em chamas quando os exércitos de Carlos Magno trazem o peso da Cruz sobre os povos saxões? Os monges que ousam enfrentar o mar do Norte e enfraquecer com o evangelho o coração dos normandos?

Os barcos vikings nos portos não se entregam ao mar antes da primavera e a lua não é propícia. Há um silêncio na praia, quebrado por um lamento ou uma voz a entoar um hino. De início, solitário cântico. Mas dentro da noite, outros se congregam, outras vozes se unem. Os deuses nórdicos da força e da coragem são apaziguados sob a sombra da Cruz.

    - ... o Papa mostra a face piedosa e faz o imperador chegar até ele, descalço, na neve.

    A voz de TH soava dos barcos e da neve e Stevam não poderia distinguir. Perdia trechos assim perdido em imagens...

    - O que eles te ensinaram na escola?

    Aléxis esquecia por um instante os lábios de Carol e voltava-se para Stevam, que respondia, “Como qualquer outra matéria.”

    - Não. Na verdade, eles te ensinaram a odiar História.

    TH seguia o olhar do Aléxis. E Carol ainda mais, pois o silenciava com um beijo. TH não poderia ficar à margem da paixão do casal. E pensava em Oto. E nas brigas até o rompimento de Oto e Carol. Poderia escrever uma crônica! Contudo sobreviviam insinuações e boatos.

    - Ensinam o ódio ao conhecimento. Permanece o ignorante a vangloriar-se de sua ignorância.

    TH deixou a pausa para sentir o peso do que falara. E continuou. – E principalmente História. Pois o passado é esquecido, o presente camuflado e somos todos arrastados para o futuro.

    - Mentira repetida é verdade.

    Aléxis sorria. Carol não poupava carinhos. Via-se que TH estava incomodado diante da paixão alheia. Menos de um ano antes e o amor daquela mulher estava depositado em outro homem.

    - Quem disse isso? – Erik, com certa inveja do Aléxis.

    - O ministro da propaganda.

    Olhares de curiosidade.

    - O do Hitler.

    Stevam lembrou-se de um livro sobre o Papa de Hitler. Erik não entendeu nada. Aléxis se afogava nos beijos da Carol.

Eugênio Pacelli. Pio XII.ali mesmo há uma avenida com o nome dele. Ali na área industrial. Há um colégio. Pio, isto é, “puro”. Santo. Servo de Deus. Contudo, sentado num trono de ouro e marfim. O chamado Papa de Hitler.

    A voz de TH não podia deixar de seduzir. Tentava decifrar o olhar de Aléxis.

O Papa pouco fez pra desacreditar a ditadura nazista, alegando temer ataques aos católicos na Alemanha. Filas de judeus eram conduzidas em Roma, aos portões do Vaticano. Sinagogas em chama, ele tolera, desde que não profanem as catedrais.

    - Hitler, eu digo aos caras, era muito inteligente. Mas eles não acreditam. – Stevam via diante de si uma chance de conseguir em TH um apoio para as suas teorias. – Negociava, enquanto movia os exércitos. Não era o louco que vendem por aí. Perseguia um ideal estético.

    - Arquitetura da Destruição. – dizia Aléxis, entre um beijo e outro.

    - Um louco estrategista, digamos. Se você (e o ‘você’ aqui não era  retórico, sem destinatário) estudar a classificada “Solução Final”, ou Shoal, verá que foi uma ação bem planejada, arquitetada.

    - Aléxis, aos olhares do TH. – Estética, você disse? Hitler, um artista frustrado, um amante da grandiloqüente música de Wagner.

    - Há quem veja na limpeza étnica uma busca pela estética. Abaixo os degenerados! Vida longa aos loiros, altos, arianos. – responde TH, sem piscar.

    - Os próprios generais não entendiam Hitler. Eles esperavam o uso dos judeus como escravos, para as fábricas. Não imaginavam a eliminação ...

    Aléxis agora encarava Stevam, que engasgou no termo “escravos”. – É que Hitler queria ‘limpar área’ para a colonização dos arianos, lembram-se daquele papo de “espaço vital” ?

    - Igual a Stálin, que deslocou populações inteiras...

    Via-se que TH assistia os debatedores, ali sob a luz do poste, naquela noite fria. Mesmo que Aléxis não fosse todo atenção, visto a presença de Carol... Mesmo que Erik vez ou outra acorresse ao outro lado da rua, no pisado gramado da praça, a socorrer o Bruxo caído meio às raízes.


As guerras de extermínio não são coisa nova. Mongóis contra chineses, ou espanhóis e portugueses contra indígenas. Ou germânicos e russos contra polacos. Ou turcos contra armênios. Ou nazistas contra judeus. Não trata-se de um jogo, de manobras no campo de batalha. Trata-se de varrer o outro povo da face da Terra. Populações civis, desarmadas são o alvo. Todos acompanharam a barbárie nos Bálcãs. Ou contemplaram a pilha de ossos armênios. Fora as atrocidades mais próximas. Em chacinas de meninos de rua. Mas trata-se de outra eliminação...

    Contudo, TH sugava as atenções. – Primeiro, os nazistas insistem que os judeus são sub-humanos, seres inferiores, uma raça fraca, indigna de merecer viver. Quer justificar assim a eliminação de tal ‘raça’. Depois os ‘puros’ apontam um grupo de pessoas, que são artistas, médicos, engenheiros, filósofos, comerciantes, etc, e reduz todos ao rótulo, ao termo ‘judeu’ e colam uma estrela amarela! “Vejam ali os judeus!” e assim separam os ‘impuros’. Não são mais iguais, nem mais humanos, nem mais dignos, agora reduzidos à um rótulo e etiqueta, “Ora, é apenas um judeu, pode matar à vontade.”

Se os judeus estão dispersos, mesclados a população, sim, pois estão nos escritórios, nas lojas, no comércio, na venda ambulante, como cambistas ou caixeiros-viajantes, nas redações dos jornais, todas as ocupações desprezadas pelo ariano loiro cristão, que não cobra juros nem escrevinha notícias, mas sobe aos postos militares, torna-se médico ou engenheiro. Se estão dispersos, é preciso encontrá-los. Há então um recenseamento. O que possibilitará discriminação e segregação. Surgem os guettos. Em seguida cartões de racionamento. Cartões para uns, e fuzilamentos para outros. Dividindo as facções, surgem desconfianças. Ortodoxos contra assimilados. Prudentes contra ousados. Bens confiscados, famílias separadas. A Guerra Total. Campos de trabalho. “O Trabalho liberta!” A segregação se sistematiza. Caminhões adaptados, com escapamento voltado para dentro. Morte por sufocação. Mas é ineficiente, dizem os tecnocratas. Constroem os campos de Extermínio. Há toda uma documentação sobre. E os nomes não deixam de causar arrepios. Treblinka, Auschwitz-Birkenau, Ravensbrucke. Tudo muito bem arquitetado. Separados do povo, divididos, conduzidos igual gado de corte. Casa e malas vasculhadas. Propriedades confiscadas e meticulosamente examinadas.

    - Não é como se os nazi procurassem algo, alguém? O quê? Quem? – Stevam se empolgava de curiosidade.

    - Eis uma boa questão. Um segredo, um saber, um sábio. Pois não havia o tais “Protocolos dos Sábios de Sion”? Pode até ser farsa, mas alguém poderia ter acreditado. Talvez procurassem o Golem, ou a Arca da Aliança. Não fizeram até o filme do arqueólogo-aventureiro...

    - Indiana Jones?

    - No filme, abrem a Arca (que ninguém sabe onde foi ocultada. Ou alguém sabe?) e a energia brutal pulveriza os vilões. Radiação? Acumulador elétrico? Que artefato seria? A arma secreta que Hitler tanto prometia?

    Todos atentos. Inclusive Aléxis. TH continua tenso e solene.

    - E Hitler despreza os judeus como inferiores. E ele que perseguia o segredo da energia suprema, a explosão apocalíptica, vê que são justamente cientistas judeus que obtêm sucessos rumo a nova arma. Eisntein, Bohr, Szilar, outros. O fanático expulsou os maiores cérebros da Alemanha! Não eram inferiores? Mas vão conseguir a bomba que ele não conseguirá. Caso contrário, adeus Paris, adeus Londres, adeus Moscou, deus Nova York!

    - Sim, há algo de esotérico, de místico nos nazistas! Uma busca do segredo, da invencibilidade. – os olhos de Stevam brilhavam.

    Aléxis não estava menos interessado. – Hitler não usurpou a suástica do Oriente e a inverteu?

    Alguém talvez respondesse, mas uma conhecida de Carol se aproximou e todos em suspense...! Erik mostrou-se o mais solícito com a recém-chegada. Mas o TH todo cuidadoso com o Stevam.

    - A piedade nos enfraqueceu. Cuidamos de deficientes e retardados e deixamos homens vigorosos morrendo na miséria, ou sujeitos a trabalhos inúteis.

    Stevam até concorda. – Somos fracos. Quem de nós é capaz de levantar uma espada? Só se for no videogame... Metralhadoras e armas guiadas por satélite. Isso é guerra?

Havia toda uma força e coragem que perdemos. Os Cruzados! Seguiam bravamente para libertar a Terra Santa. Com suas ambições, é verdade, mas um sentimento de ‘missão’ que impulsiona os heróis. E não como dizem hoje, que os cruzados foram enganados, eram todos ignorantes, ou gananciosos, ou impiedosos, uma massa de manobra do Papa... Esquecem que os cruzados seguiam lutando, morrendo e matando... Jamais entenderemos a mentalidade daquela época. Cada época que se julgue a si mesma. Hoje, mil anos depois, a gente falar das cruzadas, a julgar aqueles homens, é absurdo! Não ouso nem falar dos bandeirantes...

    - Não há mais guerra de honra, homem a homem. Somos degenerados. Temos um porte decaído. Nossas mães sem leite para nos nutrir. Olhe as tetas das saxãs, das germânicas, das nórdicas!

    - E que tetas! Das suecas, então!

    Parece que a garota não dera muita atenção ao Erik e ele vem acompanhar a conversa.

    - Em todas as grandes matanças, perseguições e massacres, em todas, algo, alguém, algum valor, tradição ou ideologia, foi elevada, considerada acima da dignidade de cada pessoa, do direito de vida. Na Inquisição, o Dogma religioso foi elevado acima da vida e da liberdade. Depois, no Holocausto, a Raça, o aspecto físico, foi colocado acima da vida e da dignidade, sem esquecer as perseguições por causa da Ideologia, o pensamento político, o unipartidarismo, uma minoria, em nome da coletividade, a esmagar os que são rotulados de ‘dissidentes’. Sejam de Direita ou de Esquerda. Veja as deportações e campos de concentração...

    - Em nome da igualdade ou do bem-estar, deportações para a Sibéria ou extermínio em massa!

    - Em tudo isso muda mais que a intolerância ao Diferente, a instrumentalização dos preconceitos, o desprezo pela vida.

    Deixaram Aléxis com as duas garotas, Carol e a amiga, e foram se sentar na praça. Erik ironiza os vampirinhos e a “beleza na morte”.

    - Oh, como eu gostaria de ser um vampiro quando eu crescer!

    Mas TH já se ocupava de Stevam, que lançara um olhar de desacordo ao sarcasmo de Erik, meio despeitado depois da rejeição da coleguinha da Carol. Reação que compreendiam.

    - Mas isso de vida após a morte, não há. Para começar é uma distinção bem materialista. Essa dualidade vida/não-vida.

    - Então, em que acredita?

    - Que sou algo além de aminoácidos e redes neurais. Transcendo tudo isso, e posso sobreviver a tudo isso.

    - Numa vida após a morte?

    - Tudo uma coisa só. Tudo é vida, vida em carne, vida além da carne. Você TEM uma alma, ou É uma alma? Você TEM um corpo ou É um corpo? Você TEM uma identidade ou É a identidade?

    Agora Erik voltava-se com aquele olhar de “vejam-como-eu-sei-mais-do-que-vocês”. – Nada de Além. Somos o corpo e pronto. Aceitar a vida. Curtir a vida. Nada de esperar em Outro Mundo.

    - Obrigado por tua contribuição. – E TH voltava-se novamente para Stevam. – Os nossos eruditos estão em apuros. Os cientistas em plena sala escura. Os acadêmicos desorientados. Estudam linhas de migração, rotas de deslocamento de tribos e povos. Seguem obras e monumentos. Ossos talhados, ferramentas, urnas. Urnas fúnebres. Tribos que enterram os mortos em urnas adornadas. Mas tribos que não usam urnas. Mumificam, ou sepultam. Nenhum dos dois processos? OU digerem os mortos em antropofagia ou deixam aos abutres. Entendem os vários modos de se lidar com a perda. Os nossos eruditos seguem esses processos, os monumentos aos mortos e esbarram num limite de dez mil anos. Antes onde estão os túmulos? Não se enterrava?

    - Queimavam! Pira funerária! Ou comiam, não é? Banquete fúnebre!

    E Erik também quer participar. – Ou deixavam às bestas do campo, aos abutres, como já disse.

    - E de repente os enterros, os adornos, os rituais, as mumificações? Todo esse cuidado! Será respeito? Saudade? Ou haverá sobretudo medo? Imaginem os mortos exigindo dignidade. Desejam habitar as lembranças dos vivos.

    Stevam não ocultava o assombro. – Tétrico, isso! Os mortos voltam e reclamam o corpo lançado aos abutres. De perder o sono!

    TH saboreava o terror de Stevam sem se dar ao trabalho de disfarçar. – Você nunca se conseguiu ser materialista. Não estou certo?

Culpa da mãe com suas magias! Aquele esoterismo de brechó. Só mesmo por contracultura meu pai, um socialista, um marxista! Ter se casado com semelhante neo-hippie!

    - Pode-se abandonar uma religião sem aderir a outra?

    - Precisar de uma religião para sufocar outra?

    - Entenda, meu caro. Não confunda religião e religiosidade. E muito menos ateu e materialista. Se este é ateu, ocorre que nem todo ateu é materialista. Pode-se negar a Deus, mas não o espírito. Mas existir o espírito não prova a existência de Deus.

    - Sou ateu, mas jamais consegui ser materialista.

    - Sim, o que foi cristão dificilmente abraça o materialismo, e quando o faz cai na depressão, no niilismo gótico, remoído por culpa e penitência, ou libertinagem e remorso, e acaba não gozando nem essa vida nem a outra.

    TH parecia estar falando de si mesmo. – E se há um Demônio é de todo inútil recorrer a ele, pois se abandonou o próprio Deus como vai agora entregar-se em confiança a um decaído?

    Erik não perderia a oportunidade. – O cara só se liberta se blasfemar mesmo, se escarrar nas hóstias. Em orgias pagãs sob o luar...

    - O seu dionisíaco é muito demoníaco!

    Assim, TH se despedia. Novamente restou a melancolia.





    Quando foi a última vez: Oto e Carol, juntos? Numa outra festa, claro. No fim do ano, antes da decoração de Natal. Uma festa de certa estimada amiga de Carol. A Carol que, na verdade se diga, poucas amigas conquistava.

    Outro que apareceu foi Erik, o que andava sempre entediado. E também o TH, que encontrou o casal pouco antes, e nada de saudações e nada de curvar-se diante da Carol. E ela nunca perdoaria a frieza do poeta.

    Mas a turma de soturnos, sempre de luto, ficou meio deslocada na festa, com todas aquelas baladas hard rock, trilha sonora dos anos 80, com a velha turma dos saudosistas, e nisso TH conversava com Erik, excepcionalmente solitário, sem nenhuma “batgirl” naquela noite.

    - Como dizia o Pessoa, digo, Fernando Pessoa, “todas as cartas de amor são ridículas”, e, como escreveu Kundera, Milan Kundera, “os amores são risíveis”.

    - Todos os amores são risíveis? E Romeo e Julieta?

    - Risível, daí ser trágico. Trágico, por inconcebível. Principalmente Romeo e Julieta. E também Othelo e Desdêmona.

    - Ora, mas se não fosse o Iago...

    Stevam acompanhava as considerações românico-literárias, mesmo atento aos vultos femininos, nascidos dos delírios dos vapores de vinho. Achava (e ainda acha) vulgar, isso de ficar discutindo Shakespeare em frívolos diálogos de festinhas ou barzinhos...


    Mas ao redor do TH já se formara a rodinha dos macabros. Alguém lia Edgar Allan Poe com painel sonoro de Whitesnake, outro (certamente Erik) em sussurros de doces obscenidades ao ouvido virginal de alguma ninfa.

    TH se incomoda mais quando alguém (o irmão da anfitriã) insere no CD player (talvez por sarcasmo) uma antologia de sonatas de Beethoven. – Olhe todos os ignorantes! Entendem o prazer estético que devem à um surdo, a compor melodias que ele próprio, o criador, jamais poderia ouvir?

    E levanta-se, com modos teatrais, com um olhar a dizer “ Não há lugar para mim neste mundo”, sem se despedir. Stevam, ao seu lado, algo comovido, levanta-se, faz menção de querer ser companhia, e seguir o bardo naquela noite escura e chuvosa.

    Contudo, o fardo da solidão de TH é pesado demais, e Stevam volta à mesa, um tanto cabisbaixo, logo a embebedar-se, enquanto o Erik e outro sombrio são logo expulsos da festa. Nas penumbras, as ásperas discussões. A família da amiga da Carol está escandalizada! “Mas, Carol, que povo é esse?” E é o “diabo no meio do redemoinho”! quando Oto decide entrar no tumulto para defender os amigos (amigos?) e chega até a puxar o seu estimado punhal (aquele com traços árabes) sempre aninhado dentro do coturno.

    Mas a quem o Oto pretendia agredir? Os irmãos da amiga da Carol? A amiga da Carol? A própria Carol? Nem ele sabia! E Carol, meio histérica, aponta o irmão da anfitriã. Logo, o tumulto vaza para ruas e calçadas.

    Nisso, Erik já desapareceu: conseguiu arrastar alguma incauta para as trevas, afinal, a casa fica no fim da alameda que margeia a ferrovia, e prazeres soturnos não faltam. Depois, os sombrios, os outros, se dispersam. Acabou a bebida grátis – kaputt! Já era! Também Carol sumiu na chuva...

    O que sobrou? Oto, perplexo diante da própria impotência, agora enfim percebida, está sentado no meio-fio, cabisbaixo e encolhido, à boca da sarjeta, e os cabelos longos semi-ruivos ocultam a sua face. Chorava.





Folheando revistas pornô, enquanto o Stevam selecionava a soundtrack, naquela nossa sessão psicodélica, com muitas idéias na cabeça porém nenhuma câmera na mão, quando mother anuncia a visita. Logo aparece o vulto noturno, com sua saudação engasgada. Falava com os olhos no Stevam, mas eu e o Boni, jogando RPG, não esquecemos que ele notava tudo! Cada gesto nosso! Seria mais gente boa, se não fosse aquela pose de corvo! Aquele erudito de literatura das tumbas, como todo aquele mofo da celas de mosteiros, da terra santa onde repousam... Bah! Bolas! Silencioso, ele se sentou, todo olhares no Stevam, o nosso Stevam lá nos céus com diamantes... logo, logo, Boni com seu goodbye so long! See you later! au revoir! Vocês entenderam.. Mas antes de andar na noite silente noite ficou a conversar com mother goose lá na cozinha. Gostava de afagar os gatos. O Boni. Aqueles mesmos que a louca da Sônia costumava colocar no colo, acariciando as nucas manhosas. Sônia! E só faltava um quadro dela pendurado aqui no quarto! Desde que ela morreu – então! Um fantasma! O Stevam até tem pesadelos... E Stevam nem se esforçava para falar, olho no olho quando TH vistoria a desordem nas estantes. Ordnung! Falava ele gritar. Ali uns textos em alemão que alguém precisava traduzir. Fragmentos do “Fausto” ou de ópera do Mozart. Lyrics de bandas niilistas. O corvo não demorou a reunir um volume de folhas rabiscadas que, dispostas duas a duas, completavam trechos inteiros da epopéia. Mephisto dançava em seus olhos – ele começou a traduzir. Tudo isso enquanto o Stevam enumerava as estrelas no teto e dedilhava o violão, imerso no som flutuante, em andamentos os mais diversos. Stevam ainda lembrava trechos de poemas do nosso psicopompo, e pinçou da mochila, sob a cama, uns textos próprios, sua lavra da palavra, que não era para os olhos de qualquer um, segundo a monumental modéstia de nosso Stevam. Então mais dedilhados, Klage, Dunkelheit und Tod. Stevam começou a ficar sentimental, em piradas inspirações para versos sombrios, à sombra do TH o mais solene e inalcançável dos poetas malditos, o mais impenetrável e insondável, o simbolista hermético por excelência, obscuro semelhante à própria, por que não dizer?, a própria (ou próprio?) Tod! Tumulto de tumulares versos ressoavam na vitrola (sic), macabras malevolências de grotesca aspereza e vozes veladas veludosas vozes de lamentos funéreos, o rapto da inocência, o espinho na flor da morte, o murchar das flores, as ilusões perdidas... Afetos natimortos, sentimentalismo afetado. O que pode ter afetado meu irmão a ponto de fazer o que ele fez... mas, ainda, aquele noite, a aparição, o advento, da presença rechonchuda e baixinha de nosso Duende, nosso gnomo particular. E até TH sorriu para o nosso gnomo (a gente chamava ele assim mesmo!), pois out of doubt que TH achava o Elias o cara mais patético deste planetaesfera! O nosso Duende a revelar as artimanhas de Sauron que não podia entender que alguém, em sã consciência, pretendesse destruir o tão prodigioso Anel, aquele Anel que movia impérios, exércitos e mundos, em batalhas que só a mente de um Tolkien poderia conceber (e eu que pouco li Tolkien, viajava no lero-lero...) E de elfos a gobbits e sereias a Mulher-Gato! Aqueles heróis de RPG meiohomem-meiolobo, olhos em chamas e caudas agitadas... Pronto: aquele certo olhar do TH: teríamos aula! Já perceberam que os heróis, os super-heróis, são um tanto dúbios? Ele começava. Ora deuses, ora humanos, demasiadamente humanos. A começar pelo panteão dos deuses – o que são os heróis senão deuses? – os deuses híbridos egípcios, meio animais, meio humanos, tipo deus-com-cabeça-de-íbis, de falcão, ou os deuses hindus, aquele com cabeça de elefante, aquela com cabeça felina... Os super-heróis são híbridos de seres não muito amigáveis, o que pouco os diferencia dos super-vilões, vejam só! O homem-morcego, o homem-aranha, o homem-lobo, o homem-tigre. Por que não? Homem-cordeiro? Homem-ovelha? Homem-borboleta? Homem-gato? Os super-heróis são ambíguos. São alguns psicóticos, outros, esquizofrênicos, todos com algum tipo de trauma. E quanto aos vilões? Quem nos protege deles? Inspiram medo ou admiração? É que já perdemos fé em nossos heróis. É a Era Nuclear. Os heróis tornaram-se dignos de suspeita. O Batman, por exemplo. Não passa de um justiceiro paranóico? Uma sombra psíquica com dotada inteligência e à beira da insanidade? Os X-men são mutações, verdadeiros monstros genéticos, aberrações, com olhos de chamas, ou garras metálicas. Pouco amigáveis, não? E o Spiderman com seu humor sombrio? E o Super-Man cabeludo e com pose de fã de hard rock. Nisso resolvemos ir buscar um vinho qualquer. Ficar logo de porre! Liguei pro JP, mas ele não abandonou a cova. Fomos, o duende e eu, beber na pracinha. Quando voltamos, o Stevam lento lia uma letra de composição nova, nova mesmo! Ainda mais depois do fim da banda... desabou com as torres... até aceitava um cigarro do duende, e o vinho vulgar, tudo em confortável entorpecer, em visões da mãe de coração atômico. E o TH sem beber, se fumar. Dele apenas os olhares. Stevam com olhares de quem vai abrir o coração – e abria o lamento: chora o ano perdido. Abria a mochila, escuras nuvens o cobriam!, a despejar seus entulhos escolares sobre a cama, a encontrar o que procura. Estendia uma folha toda amassada. Notamos os C e os D no boletim. Ninguém mais riu.





    Debruçado sobre o livro aberto, HD percebeu a sombra a estender-se sobre a mesa. E a sombra fez uma pergunta, com voz moderada.

    - Desculpe-me, mas você gosta de poesia?

    HD marcou a página e ergueu o olhar. Diante da mesa, o bibliotecário que atendia pela manhã, e que ele surpreendera, certa vez, discutindo Schopenhauer com outro atendente ( o de cadeira de rodas) ou Leonardo Boff com o professor (ex-professor) de literatura latina. Apresentou-se como JB e convidou HD para um sarau de poesias a ser realizado no centro histórico.

    Anotando mentalmente a data e local, HD agradece a gentileza. JB continua à sua frente. Sorri e ajeita os óculos.

    - Você estuda Letras? (nota a negativa de HD) Sei. Literatura enquanto hobby...

    - Eu escrevo. Poemas, contos.

    - Algum autor de preferência? (do tipo “diga-me quem lês e eu te direi quem és”)

    E HD imaginava se JB estaria fazendo menção à autoria tais como Ferreira Gullar e Moacyr Félix, mas ao, visto tratarem-se de consolidadas carreiras. JB referia-se, certamente, aos autores novatos, independentes, como o próprio JB, que estaria concluindo um livro de poemas a ser lançado ainda na próxima primavera. Mas o bibliotecário-poeta não esperou mais, e afastou-se.

    HD voltou então à leitura, mas o outro não havia ido embora. Retornou com um volume fino, de um poeta em plena ascensão, uma amostra de uma poesia que usava imagem gráfica, ao estilo concretista, e abusava de sonoridade, ao estilo simbolista! Elogiando o autor do poema (um livro todo!), que apoiara JB em sua própria carreira, inclusive deixando clara a intenção de apresenta-lo ao jovem escritor. WS, dizia JB, será o marco da nossa geração!

    Considerando-se que JB era o primeiro ali a conceder um minuto (ou cinco) de atenção ao nosso HD, meio a centena de estudantes e aposentados, não é de se espantar se tal encontro vem a constranger o recém-formado professor (ainda que jamais tenha lecionado). O que pretendia o poeta à sua frente? Amizades literárias? Trocar figurinhas sobre poesia? Auto-elogiar-se, ao elogiar os amigos, proclamados como culminâncias da arte lírica?

    Claro que tudo isso só ocupou sua mente bem mais tarde, até porque ele foi aos saraus (nós já sabemos) e conheceu Hélio Lúcio, e viu Aurelius Magnus e depois trocou telefones com Edgar, o músico e poeta. HD saberia que tudo começara ali (tudo se refere, aqui, a sua carreira) visto que, tal uma bola de neve, os acontecimentos se sucederam, um após o outro, empurrando-o, carregando-o . Mas não antecipemos.




    - Boa-noite. É o D. A . de Letras, não? O pessoal da área artística?

    - Glauber, presidente. E você?

    - Hector Dias. Escritor.

    - ...

    - Procuro os responsáveis aqui pelos eventos culturais, os saraus, as palestras...

    Ah, sim, posso chamar a Gabrielle, ou a Simone, ah, também o Beto. Eu mesmo não atuo muito nesta área, só assino, sabe, sou o homem das canetadas... (ligando para um dado ramal) vou apresentar vocês...

    Assim, HD conhece as empreendedoras Gabrielle, com suas mechas rubras no longo cabelo negro, muito dinâmica, sempre querendo ser informada de alguma coisa, e sua sombra, a Simone, também morena, a sorrir, “Meu querido, mas não a ‘de Beauvoir’...”, mais discreta e meditativa, um olhar inteligente numa face mais enfastiada, toda atenção, enquanto Gabrielle falava, corria, ditava ordens, anotava na agenda...

    E marcaram uma reunião.




    HD chega pontualmente, e encontra Gabrielle a rabiscar a agenda (inseparável agenda). À porta, HD nota, às suas costas, as vozes de Simone (“não a de Beauvoir”) e o tal Beto.

    Fascinado pela beleza e pela autoridade de Gabrielle e atraído pela calma e objetividade de Simone, HD concede pouca atenção ao tal Beto, que, ao final das contas, é o artista! Não que escreva, mas fazia renome com suas performances e declamações. Principalmente de Paulo Leminski. Se Mônica interpreta bem o estilo burocrata, organizando, anotando datas, horários, presença, Beto é o tipo anarquista, “Sei lá, entende, não lembro, esqueci esta”, o que irritava a Simone, que poderia ser um meio-termo, ainda que não anotasse... Simone e seus olhares. Ou seria fantasia de HD? Afinal, os poetas fantasiam demais.

    Conversam (por uns vinte minutos) sobre a faculdade, sobre a Biblioteca e os eventos organizados por JB (que realmente aconselhara HD a procurar os estudantes), o pouco incentivo (e apoio) dos professores (exceto alguns, pouquíssimas exceções...) e agendam reuniões futuras.

    Gabrielle, altiva, nas despedidas, “E vê se não falta, hein! Olhe a data!” Ela é daquelas que dão ordens, sorrindo. Quer opressão melhor?

    HD atravessa os corredores, pensativo. Se Gabrielle faz despertar lembranças de Sandra, e Simon certos olhares de Naína – ainda que apenas Simone aparente notá-lo, pois Gabrielle não o considera mais que uma pessoa jurídica. Ele suportaria uma beleza autoritária? Uma nova mulher, neo-pós-moderna, que pinta os cabelos e distribui ordens? De saia e saltos altos?

    Por pouco HD não derruba o rapaz que entra. Reconhece o poeta e músico Edgar, de quem anotara o contato ao fim de um dos saraus de JB. Ambos se reconheceram nas letras poéticas dos compositores do Clube da Esquina e adoravam um indie rock. Mas nunca agendavam nada. Edgar promete convidar HD para uma noite de música e poesia.

    - É esperar. Eu levo o 14-Bis e você, aqueles poetas beatniks.

    HD então lembrou dos comentários ‘on-the-road’ sobre Kerouac e outros beatos, mas era tudo nebuloso. Não entendeu naquele momento que Edgar apresentava-lhe um futuro, que poderia demorar, mas chegaria.

    O convite chegaria um ano depois.




    Marcaram um encontro no barzinho do Castelinho, que era como a gente denomina o Centro de Cultura, outrora Câmara Municipal, outrora Biblioteca, outrora Museu. Bahia com augusto de Lima.

    “Nossa linda juventude, página de um livro bom”, HD cantarolava. Nutria grandes expectativas quanto ao encontro com o poeta e (só agora descobria) editor WS. Que não viera sozinho. Acompanhando-o, outro jovem discípulo, MC. Ambos ícones da nova escrita, exalando influencias de Guimarães Rosa, de simbolistas franceses, de concretistas tupiniquins, e declamando ao estilo dionisíaco, longas odes ao estilo de Whitman, seguia bem a frente dos bardos hodiernos (não confundir com hediondos!).

    - O que me interessam os discursos ressentidos dos críticos?

    O exaltado MC estava polêmico (ou polêmico MC estava exaltado?) e deixou HD pouco à vontade, com seus olhares que dardejavam atravessando as lentes sem aros. WS mais discreto, ouvia paciente, muito paciente, até condescendente. HD deixou um envelope com poemas, que WS (educadamente) prometeu ler mais tarde. A primeira impressão é a que fica, e HD nunca conseguiu sentir-se à vontade diante de WS, nem conservar sua atenção por mais de dez minutos!

    Na mesma noite (pois WS concedera apenas vinte minutos de seu entardecer e de sua atenção) HD foi conhecer outro poeta. Mas este era das antigas! Leitor de Bilac e outros parnasianos. Cultuador de Augusto dos Anjos. Sentado na Cantina do Lucas, em pleno edifício Archângelo Maletta, onde, como tantos outros poetas boêmios, vendia os seus livros.

    Drummond, Bandeira, Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge de Lima, todos lidos, relidos e nunca digeridos. Todos estavam nas carteiras escolares. Povoando os estudantes de espectros...

    - E quando seremos reconhecidos, meu jovem?

    E falava assim mesmo, paternal. Também aparentava seus cinqüenta e tantos anos de sofrimento lírico e passional, diante dos olhares alheios (ou até de desprezo) quando de sua presença de poeta divulgador da própria obra, lendo seus versos diante das damas, apregoando suas pérolas dos casais em enlaces românticos.

    - E quando seremos lidos, meu jovem?

    O modernista, ou neo-parnasiano, entenda-se, não hesita em desprezar o autor novo, quando HD apresenta um livro de WS. Assim como o autor novo desprezara, pouco antes, uma obra sua, do poeta neo-parnasiano. As gerações se desencontram, não se entendem, até porque não procuram se entender.
- Meu jovem, se ainda não entenderam o que escrevo, e poucos leitores eu tenho, o que se dirá deste aí?

    HD piscou sem respostas. Vivia sem respostas. Ainda não começara a inventá-las. Ainda a meditar se déia agradar este ou aquele. O novo estilista ou o neo-parnasiano? Estaria colocado entre a cruz dos neo-simbolistas e a espada dos pós-modernistas?

    Ele sabe que a vida não tem ensaio. Precisa sempre experimentar. Mas às vezes fica confuso. Se chega impetuoso, sofre o impacto dos muros. E, ao chegar cordial, é logo desprezado. O que fazer então? O que querem afinal?







(fim do Cap. 1 da Parte 3)




LdeM

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